Nota: Só para deixar claro aos lulistas e petistas de plantão: este texto não é de autoria de nenhum membro do PSDB ou do DEM, ou de algo parecido, mas de um sociólogo pertencente a uma das instituições mais respeitadas quando se trata da defesa dos camponeses, a Comissão Pastoral da Terra(BA), vinculada à CNBB.
Por: Rubem Siqueira*
"Mal Lula e Dilma, em campanha eleitoral antecipada, correram as obras no Rio São Francisco, encadeiam-se fatos novos e muito elucidativos a respeito do assunto. Finalmente, a verdade. O Comitê da Bacia chegou a um acordo sobre os valores da água captada na bacia e na transposição. Nesta a de uso produtivo custará o dobro da de uso humano, o que vai encarecer a do eixo norte, de maior volume e voltado para irrigação agrícola, criação de camarão e indústria. Isto vai desmascarar de vez a transposição.
Como em casos anteriores, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, dominado pelo governo federal, deve atropelar a decisão do comitê. Aliás, o sistema que se diz baseado na gestão compartilhada e participativa das águas esbarra no centralismo autoritário do conselho e interesses outros.
O Ministério da Integração Nacional, responsável pela obra, anuncia a proposta de criação da ANS– Águas do Nordeste Setentrional, nome provisório do operador do sistema hídrico criado com a transposição. Diz que funcionará como o poderoso e intangível ONS – Operador Nacional do Sistema Elétrico, que apagões têm posto em xeque... Um órgão público ou empresa privada deverá funcionar vinculadamente, para operar canais e comportas.
A formar a ANS, além do governo federal, os estados receptores, ficando fora os estados doadores, como antes se projetou com a Chesf Águas e o Dnocs.
Desmascara-se assim a propalada “integração de bacias”, a qual não cabe na disputa pelo mercado de águas. E o conflito federativo causado pela transposição tende a se agravar. Definitivamente, o unido Nordeste dos tempos da Sudene e dos polpudos fundos federais compartidos já era! O ANS vai gerenciar o mercado das águas todas – as transpostas e as outras, já que vão se integrar.
A ANA– Agência Nacional de Águas cobra da Paraíba garantias desta integração mercantil. Que outro objetivo teria levar continuamente, a mais de 300 metros de altura, 2,1 bilhões de m³ de água,para uma região que já tem 37 bilhões de m³ armazenados em 70 mil açudes, a maioria públicos? Integrado o sistema sob um único operador, com poder sobre a definição de usos e preços da água, implanta-se o mecanismo do “subsídio cruzado”, pelo qual os altos custos da água são distribuídos entre todos os usuários. Tal como funciona hoje com o sistema elétrico, a sociedade subsidiará o uso empresarial da água. Teremos que inventar a campanha “O preço da água é um roubo”, como faz hoje o MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens com o preço da luz.
Neste contexto, a notícia do novo Atlas Nordeste da ANA, a ser publicado ainda este ano, vem enviesada. Aguardado com expectativa pelas organizações e movimentos sociais de Convivência com o Semiárido, o Atlas deve trazer diagnóstico e sugestões de como resolver o déficit hídrico urbano nos municípios nordestinos abaixo de 5 mil habitantes, não contemplados na edição anterior.
Ao adiantar que 73% destes 1.892 municípios estão sob risco de desabastecimento e que seriam necessários R$ 9,2 bilhões para resolver o problema, a ANA apressa-se em dizer que a transposição (R$ 5,5 bilhões)não basta e que as obras do Atlas não são alternativas nem conflitivas com ela, mas complementares, sem as quais a transposição será “ineficiente”.
Inevitável a pergunta se estas águas também estarão sob domínio da ANS e de sua lógica mercantil. É gritante ainda que as localidades com maior risco de desabastecimento estão no Piauí, Maranhão e Alagoas, bem longe dos canais.
Fica cada vez mais claro que o motivo da transposição não é a sede de 12milhões de nordestinos, do cansativo discurso de Lula, mas o auspicioso “negócio da água”. Porque vai lhe custar caro, não é a água que o povo do Nordeste todo espera e precisa e merece. De novo, ele é vítima da cruel “indústria da seca”, que melhor seria hoje chamar de “hidronegócio”. Já o Rio São Francisco, o doador do insumo principal para este negócio, precisa bem mais que esgotamento sanitário sem estação de tratamento e mudinhas de árvores aqui e ali."
*Ruben Siqueira é Sociólogo, membro da Comissão Pastoral da Terra(CPT) na Bahia
Fonte: CPT - BA: http://www.cptba.org.br/
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