Andei afastado do blog por questões pessoais, mas sempre tento acompanhar o que está se passando por aqui e no mundo. Recentemente observei dois fatos que embora pareçam distantes geograficamente são irmãos siameses e demonstram fielmente o estado de anomia cultural que está o país.
Como se sabe, um dos assuntos mais do que comentados ultimamente (além dos acontecimentos trágicos no Japão) tem sido um projeto do MINC chamado, “O mundo precisa de poesia”, sob a responsabilidade da intérprete Maria Bethânia que, após a redução de R$ 440 mil ficaria com a “esmola” de R$ 1,35 milhão. Curioso é que a então ministra da cultura, Ana de Holanda, irmão do Chico Buarque, a mesma filho do Sérgio Buarque, que são de uma geração que lutaram contra a ditadura, que são a favor das tão clamadas justiças sociais, não lhe tenha passado nem de longe pela cabeça que a mera ideia de tal projeto corromperia até a alma de quem o propôs, e, mais ainda de quem o aceita, uma vez que o livre arbítrio nos permite negar um absurdo como este. O MINC chegou a publicar uma nota esclarecendo que o projeto obedece todos os quesitos necessários, sendo, portanto, perfeitamente legal.
Outro fato curioso e sem nenhuma repercussão, mas que, porém, é tão importante quanto o primeiro, foi um “debate” (desculpe-me pela insistência nas aspas, mas são necessárias. O sentido real do que vi não chega a ser um debate, mas... para não ofender vamos usar uma palavra provisória) que presenciei no Orkut, mais especificamente na comunidade do Crato, onde um sujeito reclama aos brados que a situação de nossa cultura está insuportável por conta das letras de baixíssimo nível que circulam por aí. A revolta até então, inteiramente inteligível, fica absurdamente cômica quando o “hábil” analista cultural receita Zé Ramalho, Cordel do Fogo Encantado e coisas do tipo para “curar a doença”. O leitor pode não estabelecer algum nexo entre o primeiro e o segundo fato, mas, é mais do que claro que o segundo explica as ações do primeiro.
Pelo que ouço e leio, este país outrora bem mais culto do que o de hoje, tinha um mínimo de senso de mudança, sendo o mesmo estabelecido, assim como em todas as outras nações, por uma elite culta que guiava e influenciava as mudanças baseados em um senso moral, estético, político e econômico que obedecia a uma ordem onde a eternidade das ideias e a perenidade dos fatos justificavam suas ações. Para ser mais claro, não havia espaço dentro de um debate para ideias de terceira categoria, para opiniões sem fundamento, ou a influência maléfica de um delírio em massa. Alguém pode protestar dizendo que o “homem massa” do Gasset sempre existiu, mas, como deixei claro, não se trata da corrupção do corrupto, mas sim do declínio dos melhores. Quando alunos universitários tomam Zé Ramalho como possível agente inseticida para restaurar a cultura de um povo ele só esquece aí de que ele, mais do que povo precisa com urgência ser formado (e não restaurado. Só restauramos algo que necessariamente já tenha sido outra coisa).
A total perda do sentido real das palavras, a covardia, e a educação levada numa vala meramente econômica distorceu qualquer possibilidade de vida inteligente no país. O que antigamente eram meros cursos que eram feitos paralelamente ao ensino médio, os chamados ensinos técnicos, foram elevados à categoria de ensino superior. Agora, como se vê, um estudante de nível superior não consegue escrever um só texto sem cometer uma infinidade de erros gramaticas, articulando uma prosa empolada, metida a impessoal, como se isso desse os mais altos foros de ciência. A imbecilização em massa que as escolas e universidades estão fazendo no Brasil é algo tão grotesco quando os crimes hediondos. Quando pais, governos, secretários, coordenadores e tutti quanti torcem o nariz para fazer-se de desentendidos, é por que eles próprios são a prova de que a escola é um mero fetiche a ser cumprido. Uma obrigação sociológica chata que pode ser totalmente ignorada, bastando ser capaz de suportá-la por alguns anos. Quanto à possibilidade de alguém cobrar-lhe a coerência ou a harmonia entre o que aprendeu e atitudes práticas... Não se preocupe. Este país é uma terra de Ciclopes.
Nesta situação, aglutinada a mais completa falta de senso, surgem aí os “direitos” de todas as espécies. Na caça às bruxas, a engenharia do politicamente correto nos mastigará de algum modo. Ou você será punido por não acreditar no aquecimento global, ou será ridicularizo por não aceitar “a idade das trevas” como uma época de estagnação filosófica. Ou será flagrado como reacionário, ou como racista, ou como preconceituoso, ou como homofóbico. Não faltarão na nossa educação termos para obedecer. Se por acaso você obedecer todos, será um bom menino, levado por um cabresto de burro “politicamente correto”, sem perceber que trocaram toda a possibilidade de uma educação real e rigorosa, por uma mentira pseudodemocrática para fartar o povo. Numa estrutura movediça como esta surgem aí cordéis de fogos encantados e desencantados, dinheiro na mão, calcinha no chão, bombas nos cabarés, fugas mulheres-maravilha etc. Mas como isso não bastasse, temos que ocultar todos os grandes da cultura Ocidental para que muitos dos nossos falsos artistas possam participar, afinal, democracia aqui é isso. É o direito de não conhecer! Você tem o direito de jogar um Homero, um Tucídides, ou Sófocles pela janela e em troca leva Augusto Cury, Luiz Fernando (piadista) Veríssimo ou qualquer coisa do gênero.
Nós, como não poderíamos ser diferentes, sem o menor senso de comparação, promovemos o largo uso da palavra “artista, “pensador”, “(de) formador de opinião”, para justificar a ânsia tola, mista de prepotência e recalque, para promovermos a participação de falsos letrados sedentos por um primeiro elogio”. Aqui o mérito vem antes do sacrifício.
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