Futebol na TV
Por Marcos Leonel
A iniciativa da TV Verdes Mares de transmitir o campeonato cearense da primeira divisão é extremamente louvável. A crença de que o futebol cearense é um produto mais do que viável é, de fato, puro empreendedorismo, bem como uma legítima prestação de serviço social à comunidade, no que diz respeito à promoção do esporte e do lazer. Com essa e outras ações notáveis a Verdes Mares faz valer a sua verdadeira função social, teoricamente prevista na própria concessão do registro como órgão de mídia.
No entanto, é mais do que necessário acertar o time de profissionais que realiza esse trabalho ao vivo, para que o resultado final não seja confundido com um pacote de babaquices encomendado pela suprema grosseria de caricatos presidentes de torcidas organizadas dos dois times da capital, que são pequenos para o futebol nacional e descomunais, segundo a imprensa alencarina, a partir da porta do nosso velho quintal, retratado fielmente em seu provincianismo nas tardes de domingo e quase madrugadas de quarta-feira.
Crato e Ceará, numa reta final de classificação para a decisão do segundo turno, teriam tudo para ser uma grande atração, mas não foi isso o que aconteceu, mais uma vez. A partida foi uma verdadeira pelada, digna de casados contra solteiros, em churrasco de condomínio da Caixa Econômica, em plena periferia. Se o Ceará é um time de segunda divisão prestes a fazer vergonha na primeira, como sempre fez, o Crato é um time que não tem divisão nenhuma, como também nenhuma vergonha de ser a porcaria que é. Mas, isso é o que estava na cara e no campo. O que estava na telinha estava nas entrelinhas.
Bosco Farias é um grande prestidigitador. Ele consegue em sua narração criar a ilusão que o equipamento de última geração, o prestígio e a audiência da TV Verdes Mares, com quarenta anos no ar, pertencem a uma rádio AM de subúrbio, com a incrível abrangência de quatro bairros, três favelas, dois assentamentos e uma avenida esburacada que segue a linha férrea. P. C. Norões é um caso à parte. De cima de sua “aguerrida” autoridade futebolística, ele consegue, através dos chavões mais encardidos possíveis, esclarecer o nada contido no mais absolutamente vazio. Porém, a representatividade deles é ainda maior. Eles são autênticos torcedores. E, de forma extremamente profissional, não conseguem disfarçar.
O primeiro tempo da partida foi horripilante, foi futebol com selo de garantia da várzea mais escabrosa possível. Mas foi tenso para a dupla dinâmica. Por quarenta e cinco minutos seguidos o “grande” Ceará, time de primeira divisão, empatava com o Crato, time sem divisão nenhuma, como também sem vergonha nenhuma de ser a porcaria que é. O que dizer então para a audiência do “Vozão”? Seriedade absoluta! Cuidado absoluto para não incomodar, a não ser que o Ceará tomasse um gol. O clima era de quase angústia.
Nada sobre marasmo. Nada sobre mediocridade. Nada sobre incompetência. Alguns comentários superficiais sobre as aberrações administrativas do time do Crato. Mais alguns sobre a beleza do estádio Mirandão. E outros aleatórios sobre ecos atávicos de Norões, que com amaneirada afetação de não pertencer à tribo, não soube precisar suas raízes paternas como sendo cratenses, preferindo fazer alusão a um longínquo Cariri. Até que uma falta perdida, já nos descontos, mudou a cara do jogo e a postura da comissão de frente da Verdes Mares, que passou a ver carnaval em tudo.
O segundo tempo foi muito pior do que o primeiro, com todos os requintes de crueldade. Contudo, a dupla dinâmica mostrou toda a sua capacidade de entretenimento, conseguindo transformar água suja em água suja contaminada. Para Bosco Farias, com uma cara-de-pau lustrada com óleo de peroba, o “Vozão deu um baile”, menosprezando assim todo aquele torcedor do Crato, ou de qualquer outro time do campeonato cearense, ou ainda mais, qualquer um que não torça nenhuma dessas tranqueiras do pior campeonato cearense de todos os tempos. Para Norões, todavia, valia a pena ressaltar a incrível e histórica sequência de vitórias do Ceará, sob o comando do outro P. C. Imagine se fosse no campeonato paulista, que baboseira não seria proferida!?
Depois da sequência de gols do Ceará tudo ficou divino e maravilhoso. Toda e qualquer jogada do Ceará era espetacular. Um lateral batido era motivo de avaliação do campo de visão superior de um time de primeira divisão. Então Geraldo, que é um simples passador de bolas, foi transformado em maestro. Eric Flores, que veio para o futebol cearense em busca de salvação, foi transformado em contratação salvadora da pátria. Até mesmo uma dedicação de gol à esposa de um recém-casado foi transformada em caloroso espetáculo. O quarto gol foi narrado com a efusão de uma final de copa do mundo. Um gol perdido por Eric Flores, de caráter absurdamente normal, chegou a ser timbrado como um golaço, em profunda banalização da obra-prima. Entre essas e outras macacadas, o circo foi sendo montado.
No final, o placar foi uma enorme goleada de provincianismo, de como não se deve apodrecer uma transmissão ao vivo de futebol, através da ignorância amadorística e contínua, de relegar a terceiro plano a participação direta de um time menor entre os menores maiores. A falta de ética recorrente nessas transmissões que envolvem os chamados grandes da “capital”, não é, de forma nenhuma, compatível com a autenticidade da grande audiência do futebol na TV Verdes Mares. Dar às costas para o interior não é sinal de grandiosidade, principalmente quando se trata de audiência, que tem a efervescência de um Sonrisal e a efemeridade de uma partida de futebol.
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