NA CRUZ DO VAQUEIRO desconhecido, os devotos rendem homenagem e fazem suas preces, renovando uma tradição que, a cada ano, atrai diversos grupos de nordestinos. DIFERENTES GERAÇÕES participam da Romaria da Baixa Rasa, como forma de preservar a devoção na Chapada. Em 1877 um vaqueiro desconhecido morreu na Baixa Rasa, no Crato. O local transformou-se em local de peregrinação
Crato. Em pleno coração da Chapada do Araripe, uma tradição de mais de 200 anos se repetiu ontem. A fé do vaqueiro sertanejo faz com que a originalidade da Festa da Cruz da Baixa Rasa se mantenha, dentro do seu caráter religioso e festivo. O cuidado especial com a natureza é providenciado, por meio dos órgãos ambientais. São cerca de 400 vaqueiros de várias cidades do sertão cearense e de Pernambuco que participam todos os anos do cortejo e missa, ao meio-dia. O percurso é feito em duas horas. Com santos nas mãos e o gibão de couro, os homens simples sobem a serra. Desde cedo, crianças decidem acompanhar os pais. Uma forma de não deixar morrer os costumes. São os filhos dos vaqueiros. Há os que preferem ornamentar o seu animal, demonstrando a alegria de participar. Há 12 anos, o vaqueiro Inaldo Antônio de Amorim participa. Sua esposa também acompanha, com os filhos pequenos. Cada um no seu cavalo. Ele é um dos organizadores. Todos os anos sai convidando os vaqueiros de cidades como Barbalha, Crato, Juazeiro e Moreilândia, no Estado de Pernambuco.
"É impressionante como a cada ano cresce esse acontecimento. As pessoas vêm com a maior alegria", diz ele. Alguns dias antes, há a festa para a escolha da Rainha da Baixada e a Rainha do Vaqueiro. O acontecimento é preparatório. As escolhidas saem na frente, numa charrete. Em seguida, os vaqueiros, todos caracterizados à frente do cortejo, com as imagens de Nossa Senhora Aparecida na mão e a de São Jorge. A concentração de frente à igreja do Sítio Lameiro, em Crato, acontece desde cedo, onde os vaqueiros se organizam para subir. Os gritos de aboio animam os integrantes do grupo. "É uma satisfação estar aqui, porque a gente tem de fazer o que sabe", diz.
Em cima da serra, os moradores da Baixa Rasa chegam logo cedo. As barracas com bebidas e comidas típicas são montadas. Na entrada da estrada de chão batido, os agentes ambientais controlam a entrada para não deixar entrar muitos veículos. Grande parte das pessoas percorre mais de dois quilômetros a pé, mata adentro, até chegar na localidade. Um clarão, em meio à mata, e no canto uma cruz azul, com várias velas acesas em volta e uma cobertura de amianto. É lá que se encontra a cruz do vaqueiro desconhecido, que morreu provavelmente no ano de 1877, de sede e fome no local. Ele ficou perdido em meio à floresta. O corpo foi encontrado ao lado do cavalo magro, que continuou com o seu dono. Desse tempo para cá, passou a ser reverenciado pela fé do povo. São promessas feitas e pagas no dia 25 de janeiro. Todos os anos, a Romaria da Santa Cruz da Baixa Rasa atrai milhares de pessoas. Mesmo numa segunda-feira, os homens e mulheres devotos da cruz estão lá. Para fazer novas promessas, ou pedir mais pela cruz que consideram milagrosa. Na área há também várias cruzes. Outros corpos foram sepultados. Segundo dona Expedita Gomes Magalhães, alguns são túmulos de parentes seus, como irmã e mãe, que foram enterrados em covas vizinhas, e também de catadores de pequi. Pessoas que se embrenharam na floresta, adoeceram e não tiveram como sair, por conta da enfermidade.
A missa acontece somente ao meio-dia. A essa altura, os vaqueiros já se alimentam com o cozido de bode e o baião com fava. O almoço especial foi uma cota entre amigos. Tudo para animar a turma. Os grupos de tradição popular e os seus mestres vêm prestigiar. Todos os anos, os irmãos Aniceto fazem questão de participar da festa. Os anjos da mestra da cultura Zulene Galdino também ficam em volta da cruz. Ela faz a sua oração. O respeito à religiosidade é mantido. Não há venda de bebida alcoólica A festa que se traduz na sua originalidade e autenticidade, a cada ano, faz parte do calendário de eventos do município do Crato.
IMPORTÂNCIA
"Acho uma festa muito importante. É uma tradição que acompanha desde menina"
Eliene Belo Feitosa
Dona-de-casa
"São 12 anos participando da festa. Sempre vou na frente levando o santo"
INALDO ANTÔNIO DE AMORIM
Vaqueiro
MAIS INFORMAÇÕES
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Teles, S/N, Pimenta
(88) 3523.1999 / 3501.1702
MISSA SOLENE
Falecidos são destacados
Crato. Há cerca de 20 anos uma missa é celebra no local. Antes, as pessoas chegavam e tiravam o terço. A celebração tem um tom mais solene e massivo, por conta do grande número de participantes. Pessoas que deram colaboração importante para a louvação no local são homenageados, como dona Luzia Gomes, que morreu nas proximidades, na localidade de Barreiro Novo, e Evaldo de Sousa Medeiros (Valdo), também falecido. São personalidades importantes, que contribuíram para a continuidade da louvação. Emocionada, Expedita Gomes Magalhães, de 67 anos, chora no túmulo da mãe. Chegou cedo e acendeu as velinhas, como tem feito todos os anos, ao lado da irmã, Maria das Graças Fernandes. Elas também vêm pagar promessas. Dona Maria das Graças fez uma promessa para Expedita. "Ele caiu, quebrou o fêmur e teve de fazer uma cirurgia. Em quatro meses se recuperou", disse. No local, ela deixa o ex-voto (uma perna esculpida em madeira), como representação da graça alcançada. Ele lembra também da promessa que foi feita para que ficasse curada de um tumor no seio. "Estava grávida e não podia operar, então fiquei boa", conta. Algumas pessoas reclamam da ausência de uma infraestrutura melhor para a festa. Uma maneira de haver projeção maior e atrair, de forma ordeira, mais visitantes. Essa é a idéia que José Wilson, um dos organizadores.
ELIZÂNGELA SANTOS
Repórter do Jornal Diário do Nordeste
Colaboradora do Blog do Crato
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