Thursday, February 24, 2011

ANTONIO ESMERALDO - Por: Pancrácio Esmeraldo


Apesar da minha tenra idade, que não ultrapassava os cinco anos, ainda guardo na memória a figura do meu avô Antonio Esmeraldo. Bendita memória tardia que se mantem ao longo da nossa vida sã. Cabeça branca, elegante, austero, confesso que o temia. Por vezes surgia rapidamente na fazenda Tanques, onde eu morava com meus pais. O vi poucas vezes. Marcou definitivamente a minha vida. No dia seguinte ao meu nascimento, foi me visitar levando à mão um envelope com um documento: meu registro de nascimento. Não se rebaixaria ao ponto de perguntar aos meus pais se eles gostariam ou não do meu nome. Afinal, ele era o coronel Antonio Esmeraldo, o todo poderoso patriarca da família.

Mas eu gostei desse nome esquisito, de belo significado (todas as forças) e de extrema singularidade. Nasceu Antonio Esmeraldo Filho no dia 15 de setembro de 1879, na cidade do Crato. Era filho do major Antonio Esmeraldo da Silva, um dos cinco troncos que originaram toda a família Esmeraldo. Poucos sabem que ele tinha Filho no seu nome, por que simplesmente ele o sacou da sua assinatura. Quem não se orgulharia de ter um Filho no seu nome, em homenagem ao seu querido pai? Certamente esse pai não era tão querido assim. Consta que não foi muito justo com alguns filhos na distribuição das terras. Consta que contrariando os filhos do primeiro casamento, se casou em segundas núpcias com sua cunhada, que era praticamente sua filha adotiva. Soube que monsenhor Esmeraldo, a quem a cidade homenageou com nome de rua, foi o que mais se contrariou com o casamento.

No inicio do ano de 1949, aos 69 anos, reuniu quase toda a sua prole no seu sítio São José. Era a despedida, parece que estava prevendo seu fim. Morreu pouco tempo depois no dia 13 de abril de 1949. Deixando 11 dos 15 filhos nascidos vivos e uma enorme descendência de netos e bisnetos. Onze dias após a sua morte, o grande amigo e profundo conhecedor da família, o grande historiador padre Gomes, publicou no jornal cratense, Ecos da Semana, o seguinte artigo em homenagem póstuma:

A morte colheu, no dia 13 do mês em curso, a vida presente do cidadão, cujo nome encima estas linhas, quando alcançava os 70 de idade, a se completarem aos 15 de setembro deste ano de 1949. Tombou nesse pedaço abençoado do Cariri, onde nasceu. Elemento marcadamente expressivo do escol social cratense, ora casado com dona Ana Pinheiro Esmeraldo, filha legítima do capitão José Pinheiro Bezerra de Menezes e de sua mulher dona Ana Teles Pinheiro, e legitimamente, neta, bisneta e trisneta, respectivamente, do capitão mor do Crato, Joaquim Antonio Beserra de Menezes, do brigadeiro Leandro Bezerra de Menezes e do capitão Antonio Pinheiro Lobo de Mendonça, sergipano-cratense, oitavo neto do casal luso-amerindio, Diogo Álvares Correa, o Caramuru e Catarina Paraguassu, aquele, primeiro patriarca civilizado a se instalar no norte do Brasil, réplica a seu congênere, João Ramalho dos Campos de Piratininga.

Pelo sangue, ligava-se Antonio Esmeraldo, as famílias Esmeraldo e Gonçalves, das mais tradicionais e prestigiosas, entre quantas, ontem como hoje, da gênese cratense e araripense. Herdou, de seus maiores, a religião e a moral do cristianismo ao lado das tradições e brasilidade, patrimônio que cultivou com esmero e imprimiu a educação em que formou sua prole numerosa.
Agricultor laborioso transformou modesta herança em respeitável fortuna imobiliária, em uma época e num tempo em que a presença oficial, junto aos plantadores, se manifesta quase exclusivamente pelas exigências do fisco. Foi desta maneira, um peso vivo na vida econômica da sua comuna.

Informado do espírito humanitário da raça, estimulado ao calor da caridade cristã, muito diferente de certa filantropia, árida pedante e, por vezes, maquiavélica, viveu debruçado sobre a miséria e a dor moral humana através das conferencias Vicentinas locais, chegando sua atividade dirigente e benéfica ação animadora a envolverem as numerosas entidades beneficentes congêneres ora difundidas no vasto mapa da Diocese Cratense, desde quando reteve a presidência do Conselho Diocesano das Conferencias de S. Vicente de Paulo, cargo que exerceu longamente e em que a morte o surpreendeu. Milhares de pobres e miseráveis experimentaram direta e indiretamente o efeito confortador dessa modalidade de seu apostolado social cristão, eficiente e discreto. Dobrar-se beneficientemente sobre a pobreza e a miséria material do próximo e, por conseqüência, sobre seu constrangimento moral, constitui atitude que atrai as vistas de Deus e inclina a parte nobre da natureza humana, máximo num ciclo da História em que o egoísmo dos homens criou um sistema econômico injusto que ampliou a tragédia das classes mais fracas e indefesas.

Quando se convencia o ilustre morto, de que as solicitações e as conveniências da política ou do seu partido, ou mesmo de seus próprios interesses políticos chocavam-se com suas convicções religiosas, descia bravamente a favor destas últimas afastando-se, nesse particular, da conduta comum e equívoca do político brasileiro que faz da sua religião e da sua política compartimentos estanques, como se o credo e a ética do seu patrimônio religioso não devessem informar sua atividade política. Membro da corporação legislativa municipal desta comuna opôs-se vivamente a passagem da lei que concedia subvenção pecuniária a União dos Trabalhadores do Cariri, sediada nesta cidade, concentrando o núcleo principal de sua oposição na conclusão, a que teria chegado, de que os lugares chaves da mesma entidade social (as posições chaves começam das secretarias, a contar de cima para baixo) estariam infiltrados por representantes do comunismo materialista e antinacional, o que, segundo ele afirmou no próprio discurso que então pronunciou, chocava-se em sua “consciência de católico e cidadão”e de membro da Ação Católica. O referido discurso, que vi publicado em “A Ação”, 27/ 03/49, é franco, claro, incisivo e, sobretudo, heróico, pois o orador sabia que contrariava as orientações dos seus chefes, seus próprios interesses eleitorais, a divergência de seus ecos, o ódio de pretensões contrariadas e o sorriso mordente da incompreensão. Escreveu uma página de coerência com suas convicções, a qual arrastou a admiração daqueles, que embora adversários, acostumaram-se pela nobreza dos sentimentos a estrutura mental arejada, a render homenagem de respeito ao binômio convicção-coerência, que se confunde com o carater e se traduz pela intransigência face a quaisquer circunstancias, até que, uma convicção diferente venha por ventura impor mudança de atitude.

Político por temperamento, tirocínio e destino, Antonio Esmeraldo pos, a serviço da política, boa parte da atividade da sua longa existência. Dispondo de qualidades pessoais e de elementos humanos para o posto de autodireção, preferiu o de seguidor e colaborador, colaboração fecunda e não poucas vezes decisiva quando foi chamada no campo da orientação, onde se requer tacto fino, faro e sagacidade. Do inicio ao fim de sua atividade política, acompanhou os Teles, ou seja, ao longo de mais de 40 anos, e de quem só as exigências inelutáveis da morte o separou, prova de fogo do lealismo tenaz, quando se sabe que assimilou muitas decepções. Não fez da política uma profissão rendosa, embora não lhe tivessem faltado oportunidades. Nunca lhe deram os amigos, margem decisiva à conquista de posições alem da vereança, o que não teria constituído favor, porem mínima cota compensatória. Lealismo e serviço aos amigos foram seu destino em política, da mocidade a velhice e à sepultura, atitude rara em tempos de decomposição moral. Praticou o culto da responsabilidade como membro das entidades religiosas a que pertenceu, segundo o testemunho de seus consócios. Enfim, valorizou a vida.

Por: Pancrácio Esmeraldo

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