O Nordeste atualmente não possui mais sua nordestinidade, salvo raras exceções; é cena incomum hoje vermos as belezas tradicionais de nossa terra querida que nos torna um povo único no planeta. A moderna-comodidade chega a todos os cantos do mais longínquo sertão, modificando a sua cara. O sertanejo não é mais um forte, como descreveu Euclides da Cunha. Ele não é mais o cabra macho que José Américo de Almeida enaltece, “cabra” este que prefere morrer agarrado ao mourão da porteira do curral a ter que deixar seu sertão querido. A vida já não chega a ser tão Severina, como mostra João Cabral de Mello Neto.
Por estes dias lendo, uma das grandiosas obras de José Lins do Rego, vendo como ele descrevia a decadência do Engenho, leia-se Indústria que por séculos foi responsável pela formação da riqueza no Nordeste, fiz um paralelo imprescindível com a pobreza que se cria na identidade nordestino-sertaneja, a falta de autenticidade que ora passa a existir na personalidade de um povo. Nunca mais na nossa história existirão homens como Patativa do Assaré, homens que são apaixonados pela beleza de um modo de vida; o Sertanejo.
Cadê a rusticidade das casas de taipa, onde os compadres criavam suas famílias formadas muitas vezes por dez, doze filhos. Prova disso é que meus avôs maternos tiveram onze filhos e os paternos quatorze, ambas as famílias viveram uma autêntica vida de sertanejo; moraram em casa de taipa, trabalharam nas panhas de algodão (O ouro branco do Sertão), foram aos adjutórios das farinhadas, trabalharam nas quebras de fumo, tomaram mel quentinho nos engenhos dos grandes da terra e se divertiram a valer nos reisados, cantorias e tertúlias, manifestações culturais do sertanejo, que nos dias de hoje os próprios sertanejos desconhecem.
O atrofiamento da cultura sertaneja começa a partir do mobiliário de sua casa, que não é mais de taipa e muito menos ainda de chão de terra batida. No mobiliário das casas do sertão não há mais espaço para a cadeira de couro, para o baú, para o candeeiro de gás, para o ferro a brasa, para o fogão de lenha, para o pote de barro, o qual a água era sempre friinha e de um sabor inexplicável. Lembro que no início de minha infância vi um fuso, com o qual a minha avó tecia a vestimenta da família, é claro que aquela altura a peça há muito já estava aposentada, porém ressalta-se que as gerações futuras certamente desconhecerão o instrumento e muito mais ainda a sua importância, na economia de nossa região.
Quem de nossa geração já foi ou pelo menos ouviu falar das tão famosas caçadas de pebas, confesso que eu mesmo só conheço tal atividade de ouvir falar, deveria ser uma aventura e tanto passar a noite ou até mesmo noites fora de casa, embrenhados na caatinga atrás da tão preciosa caça, e quando havia êxito na atividade o sertanejo voltava para o seio de sua família todo feliz, exibindo o animal como troféu pela sua empreitada.
O meio de locomoção era outra marca registrada do sertanejo, montado em um jumento, burro ou cavalo, quando não a pé, o sertanejo rompia léguas e léguas e o censo de distância era também diferente, sendo que o compadre mais próximo morava muitas vezes a dois, três quilômetros de sua casa. Luiz Gonzaga apaixonadíssimo por esta nordestinidade, fala com perfeição em sua música “Estrada de Canindé”, acerca do meio de transporte do sertanejo, ele cita que: “... Artomove lá nem sabe se é home ou se é muié; Quem é rico anda em burrico; Quem é pobre anda a pé...” O grande poeta ao assim cantar não fala em tom de desprezo pelo sertanejo, mas sim em tom de respeito, ele mostra todas as maravilhas de assim se locomover e vai descrevendo um lugar tão belo, que chega até a ser edênico.
Hoje em dia não se veem mais os vaqueiros todos caracterizados, com gibão, perneira, guarda peito e chapéu de couro, em seus aboios tristes campeando o gado por meio das juremas, marmeleiros, mufumbos, catingueiras... A atividade de tais sertanejos dependia de força e coragem, muitas vezes só eles mesmos conseguiam romper a caatinga e reunir todo o rebanho que pastava livremente na manga, haja vista a inexistência de cercas nas propriedades, tal qual existe hoje, antigamente todas as propriedades eram divididas apenas por marcos de pedra, que diziam onde era o limite de uma propriedade.
O sertanejo era autêntico até em seu nascituro, onde ele para vir ao mundo exigia grande coragem de sua mãe, que tinha a alegria de um novo filho misturada com o sofrimento pela dor do parto, todas as sertanejas davam a luz aos seus filhos sem sair de dentro de suas casas, onde o apoio da medicina era dado pelas parteiras ou cachimbeiras, que eram o principal apoio que as mulheres recebiam na hora do parto, só que para “as mães veias” chegarem até o local onde ajudariam a um novo sertanejo vir ao mundo, elas tinham de romper horas seguidas de caminhada. Quase sempre o pai tinha de romper o dobro da caminhada, indo até a casa da parteira e voltando com a mesma até a sua casa.
A cultura deste povo único era permeada por toda uma misticidade e fervorosidade religiosa ele vivia toda uma vida de devoção, rezando para os seus santos prediletos, sendo que para cada santo havia sua novena, havia também as quermesses que misturava a festa religiosa e secular. Quem hoje ainda pode ver os penitentes, que possuíam toda uma enigmática em sua expressão religiosa? Talvez em bem pouco tempo ninquem mais os veja e sua expressão cultural seja suplantada para sempre, pois são poucas as ordens que ainda teimam em existir.
Todos estes breves relatos tratam de uma história que parece a cada dia que passa sucumbir mais no esquecimento de seus atores sociais, aos poucos ela vai desaparecendo e muitos poucos, ainda teimam em viver na atemporalidade da preservação deste passado, mais do que viver este sentimento de nordestinidade e preciso que haja a preservação desta simbologia e vivência, pois só a partir da compreensão da importância destes sentimentos e que poderemos criar a nossa história, compreender quem somos, o que nos distingue e nos torna um povo único, sem a preservação deste sentimento do ser nordestino, a nossa nordestinidade poderá em muito breve não mais existir.
Por: Júnior Lira
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