Segunda-feira, 25 de outubro de 2010. As estatísticas da Grande Fortaleza dão conta da cifra de 21 homicídios durante o final de semana que passou. Algo alarmante para época de paz social. Números atípicos de um mundo injusto. Enquanto que seres humanos da mesma civilização ocidental circulam silenciosos pelas avenidas, ruas e praças, qual se nada acontecesse além dos programas sensacionalistas, próprios dos horários do almoço da classe média com isso preocupada.
Ninguém nasce marginal e a sociedade transforma seus herdeiros em monstros aterrorizadores pecaminosos, armados até os dentes, raquíticos, tatuados, esqueléticos, olhos fundos, feições agressivas, usuários e traficantes de drogas, menores infratores, protagonistas de boletins e ocorrências, algarismos arábicos, denunciados pelo sofrimento de mães desesperadas, aflitas, filhos sem pais, reconhecidos de apelidos torpes, xingados, sobejos da mídia e menores enjeitados da sorte oficial. Uma sanha grita aos quatro ventos, do alto dos morros e linhas vermelhas do desencanto, o arrepio dos poderosos que, ano após ano, se sucedem juntos de tronos bem conservados. Desempregados, subempregados, informais consumidores crônicos de crack, pixotes versados na ordem seletiva de magnatas e políticos trajando grifes cativantes, frutos podres das tecnocracias de conveniência, dentes cariados de regimes e práticas.
Vez em quando surgem idealistas que protestam de cartilhas em punho. Reclamam para esses rejeitados suburbanos das periferias sociais, assassinados, exterminados de si mesmos. Programam políticas públicas que pretendem encampar os déficits nos projetos futuros, que se arrastam nas marcas tortas da distribuição de renda.
Quando calarmos, até as pedras clamarão... Independente das providências paliativas, dos reforços de efetivos, mais armas e munições, guerra surda se instalou nos becos e terrenos vazios, nas distantes favelas e nos córregos poluídos, de zumbis à procura da lua. Tropel silencioso percorre guetos, exército surreal de nossos irmãos, sobrinhos, filhos nossos, soldados desconhecidos no orçamento, esfaqueados, fuzilados, triturados, fora dos olhos das câmeras e dos quadrantes da caridade pública, desassistidos da ganância, raça da nossa raça, ainda imberbes, sangue do nosso sangue, negros, pardos, índios, prostitutas, alcoólatras, dependentes químicos, que perderam o bonde da história desde o berço e a inocência criminal desde a primeira infância, ou ainda no útero materno, largados nos lixões da glória do mundo... Caldo grosso da mesma humanidade escore fétido de cães e muralhas, estádios e edifícios acrílicos faiscantes, abortos largados sob as marquises, nos mangues, canteiros e viadutos, bandidos da economia de escala... Enquanto isso, balas perdidas ricocheteiam criminosas pelas copas das árvores, nas calçadas da fama e veias solitárias dos aidéticos degenerados...
Quem, pois, pranteará a verdade dos tantos perdidos na mocidade em flor, atirados quentes às estatísticas mornas deste tempo sem amor?
Por: Emerson Monteiro
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