Histórias e Estórias do Crato
INVERNÃO!
José Horácio Pequeno foi uma figura das mais tradicionais do Crato. Homem de uma honestidade à toda prova. Amigo de todos. Filho de político que foi assassinado, mas não militava na política. Todas as vezes que via na televisão a imagem do Gov. Amin, de Santa Catarina, me lembrava do Sr. Zé Horácio. Ele era careca, como o Gov. Amim. A política do Crato era comandada pelos coronéis de engenho. Todos militantes da UDN. Quem eles indicassem para prefeito, seria eleito. Chegou uma época que não tinha mais a quem indicar e lembraram-se do ‘compadre Zé Horácio”:
- “Vai ser você, compadre”.
E assim foi.
Ao tomar posse, o Sr. Zé Horácio viu a difícil situação financeira da Prefeitura. Devendo tudo e a todos. E, dentro da sua ótica de comerciante honesto e pagador de seus compromissos, tratou de por ordem nas finanças. Já naquela época praticava, sem saber, a “Lei de Responsabilidade Fiscal”. Pagando as dívidas, não sobrava nada para nenhuma benfeitoria. Não fazia nenhuma despesa se não tivesse o dinheiro em caixa. Começou a haver o falatório na cidade. Nem as ruas ele mandava varrer, pois não havia disponibilidade financeira para tal. Coincidiu com uma época de chuvas intensas (época de inverno, como se diz no Nordeste) e as estradas vicinais ficaram intransitáveis, afetando em cheio a base política dos coronéis. Então, resolveram formar uma comissão de notáveis para ir falar com o Prefeito, visando alertá-lo da necessidade de providências urgentes. Nessa comissão tinha representante dos coronéis, do comércio, do Rotary etc, todos amigos pessoais e compadres. A comissão passou a explicar ao Prefeito os problemas que as chuvas estavam provocando. Principalmente, prejudicando os correligionários deles. Muitos não conseguiam andar nas estradas, nem a cavalo. E o Zé Horácio só ouvindo... Cada um desfiou uma série de reclamações, esclarecendo que a Prefeitura é para dever mesmo. Não pode é ficar sem uma solução. Após as reclamações, esperaram do Prefeito uma decisão. E o Sr. Zé Horácio saiu-se com esta:
- “Invernão, senhores, invernão!”
É OBRA DEMAIS!
Dr. Alencar Araripe foi um Deputado Federal de extremo prestígio e muito atuante. Até hoje o Crato não teve um filho da terra, como Deputado Federal, com tantos bons serviços prestados à cidade e à Região.
Quem mais se aproximou do Dr. Alencar foi o Dr. Raimundo Bezerra, cratense de coração, vez que chegou ao Crato com seis meses de idade, procedente de sua cidade natal, Crateús. Faleceu no cargo de Prefeito, representando uma grande perda, não somente como administrador, homem de visão e uma pessoa humana dotada de uma generosidade impressionante.
Um filho do Dr. Alencar, o Dr. Jósio de Alencar Araripe, foi candidato a prefeito, mas nunca conseguiu se eleger. Tendo herdado a honestidade e seriedade do pai, dizia para o eleitor:
- “Se quiser dinheiro, vá procurar o concorrente. Ele está pagando para votar nele!”
Chegou a ser vereador e fazia uma oposição ferrenha ao prefeito da época. Gostava de fazer o seguinte comentário:
- “Luís, esse homem faz obra demais! É obra aqui, obra ali, obra acolá! Não sei onde vai ter tanta latrina para caber tanta obra!”
VESTIU SAIA
Em certa ocasião esteve no Crato o Circo Nerino, e o Luís resolveu ir assistir. Estava na fila para comprar o ingresso e, imediatamente à sua frente estava um funcionário da Casa Aurora. Muito fanfarrão, costumava gabar-se:
- “Vestiu saia, não sendo padre e nem escocês, eu traço!”
À frente dele, na fila, estava uma mulher. Para fazer jus à fama, começou a se insinuar para ela. Chegou a se encostar na traseira dela, naquela prática que, à época, chamava-se ‘pinar’. O Luís conta que, quando viu foi a mulher dar um salto pra frente, virar-se para essa pessoa e exclamar, bem alto:
- “Epa! Tá vendo saia e está pensando que eu sou fêmea! Eu sou é mulher macha! Eu gosto é de mulher!”
COMPRO, MAS NÃO PAGO
Moisés Teixeira foi um dos primeiros arrendatários de cinema no Crato. Sua filha, Cléia Teixeira costumava cantar nos programas da “Hora da Saudade”, da Rádio Araripe do Crato. Posteriormente, o Sr. Moisés montou um pequeno comércio de material elétrico. O forte era a venda de lâmpadas, principalmente as de 40 w que eram as mais procuradas, por consumirem menos. No entanto, observou que o estoque dessas lâmpadas estava baixando muito e não se lembrava de ter vendido tanto. Achou que alguém estava roubando. Tomou, então, uma providência: marcou todas as caixinhas de lâmpadas com as iniciais dele – MT. E, realmente, tinha razão. O ladrão tirava de uma a duas lâmpadas de cada vez, levava para sua pequena bodega, na periferia. Quando juntou certa quantidade, foi vendê-las ao próprio Sr. Moisés. Acertaram o preço e, ao recebê-las, o Sr. Moisés verificou que todas tinham a marca que ele fizera! Disse, então:
- “Compro, mas não pago. Estas lâmpadas são minhas. Foi você quem me roubou”.
- “Que é isso, Sr. Moisés, como é que o senhor diz uma coisa dessas!”
- “Olha aqui as minhas iniciais, que eu mesmo coloquei!”
- “Não, Sr. Móisés. É que, como eu sabia que o senhor ia comprar, já coloquei as iniciais em todas as caixas!!!”.
A PAÇOCA
O Sr. Pedro Felício foi um educador exemplar e incansável no Crato. Responsável pela instalação de diversos Grupos Escolares e da Associação Caixeiral, que possibilitava o ensino noturno para aqueles que trabalhavam durante o dia. Era um curso profissionalizante de contabilidade. Portanto, na década de quarenta e cinqüenta o Crato já contava com este benefício. O Sr. Pedro mereceria uma estátua, pelo muito que fez pela educação da cidade. Era também político e, por diversas vezes candidatou-se a Prefeito, sendo sempre derrotado. Até que uma vez, já com idade avançada, a população resolveu premiá-lo pela insistência, elegendo-o Prefeito.
Pedro Felício em duas épocas
Politicamente era conservador, mas não tanto quanto os donos de engenho. O conservadorismo se estendia aos seus hábitos, além de conversar pouco. Só caminhava pelo meio da rua, por ter, em certa ocasião, escorregado numa casca de banana deixada numa calçada, levando uma grande queda. Toda segunda-feira, no almoço, tinha um prato de paçoca. Ao lado, inseparável, uma quartinha com água. Só bebia café de bule, nunca café de garrafa.
Uma determinada segunda-feira, na hora do almoço, sua esposa, Dona Ailza, (irmã do Dr. Wilson Gonçalves) falou extremamente contrariada:
- “Mas Pedro, não é que hoje eu me esqueci de fazer a sua paçoca”.
O Sr. Pedro calado, de cabeça baixa. E a Dona Ailza, extremamente contrariada:
- “Como é que pode acontecer uma coisa dessas!!. Hoje é o dia da carne de sol de Caicó! Hoje é segunda-feira, dia da sua paçoca! Eu nunca me esqueço! Como é que vai ser? Hoje você não vai gostar do almoço!”
E o Sr. Pedro calado, diante do embaraço da esposa.
- “Mas não vai acontecer de novo. Está com mais de dez anos que eu faço esta paçoca toda segunda-feira!! Como fui esquecer hoje...”
O Sr. Pedro, então, rompeu o silêncio:
- “Não, eu acho que está com mais de dez anos. Devem ser uns quinze anos!”.
Como ela continuasse a se lamentar, o Sr. Pedro disse:
- “Não, não se lamente não! Durante todos esses anos eu comi paçoca porque você botava na mesa. Mas eu não gosto de paçoca não...”
Fonte: Livro: Só no Crato - De Ivens Mourão - Direitos de Publicação concedidos ao Blog do Crato pelo autor. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS.
José Horácio Pequeno foi uma figura das mais tradicionais do Crato. Homem de uma honestidade à toda prova. Amigo de todos. Filho de político que foi assassinado, mas não militava na política. Todas as vezes que via na televisão a imagem do Gov. Amin, de Santa Catarina, me lembrava do Sr. Zé Horácio. Ele era careca, como o Gov. Amim. A política do Crato era comandada pelos coronéis de engenho. Todos militantes da UDN. Quem eles indicassem para prefeito, seria eleito. Chegou uma época que não tinha mais a quem indicar e lembraram-se do ‘compadre Zé Horácio”:
- “Vai ser você, compadre”.
E assim foi.
Ao tomar posse, o Sr. Zé Horácio viu a difícil situação financeira da Prefeitura. Devendo tudo e a todos. E, dentro da sua ótica de comerciante honesto e pagador de seus compromissos, tratou de por ordem nas finanças. Já naquela época praticava, sem saber, a “Lei de Responsabilidade Fiscal”. Pagando as dívidas, não sobrava nada para nenhuma benfeitoria. Não fazia nenhuma despesa se não tivesse o dinheiro em caixa. Começou a haver o falatório na cidade. Nem as ruas ele mandava varrer, pois não havia disponibilidade financeira para tal. Coincidiu com uma época de chuvas intensas (época de inverno, como se diz no Nordeste) e as estradas vicinais ficaram intransitáveis, afetando em cheio a base política dos coronéis. Então, resolveram formar uma comissão de notáveis para ir falar com o Prefeito, visando alertá-lo da necessidade de providências urgentes. Nessa comissão tinha representante dos coronéis, do comércio, do Rotary etc, todos amigos pessoais e compadres. A comissão passou a explicar ao Prefeito os problemas que as chuvas estavam provocando. Principalmente, prejudicando os correligionários deles. Muitos não conseguiam andar nas estradas, nem a cavalo. E o Zé Horácio só ouvindo... Cada um desfiou uma série de reclamações, esclarecendo que a Prefeitura é para dever mesmo. Não pode é ficar sem uma solução. Após as reclamações, esperaram do Prefeito uma decisão. E o Sr. Zé Horácio saiu-se com esta:
- “Invernão, senhores, invernão!”
É OBRA DEMAIS!
Dr. Alencar Araripe foi um Deputado Federal de extremo prestígio e muito atuante. Até hoje o Crato não teve um filho da terra, como Deputado Federal, com tantos bons serviços prestados à cidade e à Região.
Quem mais se aproximou do Dr. Alencar foi o Dr. Raimundo Bezerra, cratense de coração, vez que chegou ao Crato com seis meses de idade, procedente de sua cidade natal, Crateús. Faleceu no cargo de Prefeito, representando uma grande perda, não somente como administrador, homem de visão e uma pessoa humana dotada de uma generosidade impressionante.
Um filho do Dr. Alencar, o Dr. Jósio de Alencar Araripe, foi candidato a prefeito, mas nunca conseguiu se eleger. Tendo herdado a honestidade e seriedade do pai, dizia para o eleitor:
- “Se quiser dinheiro, vá procurar o concorrente. Ele está pagando para votar nele!”
Chegou a ser vereador e fazia uma oposição ferrenha ao prefeito da época. Gostava de fazer o seguinte comentário:
- “Luís, esse homem faz obra demais! É obra aqui, obra ali, obra acolá! Não sei onde vai ter tanta latrina para caber tanta obra!”
VESTIU SAIA
Em certa ocasião esteve no Crato o Circo Nerino, e o Luís resolveu ir assistir. Estava na fila para comprar o ingresso e, imediatamente à sua frente estava um funcionário da Casa Aurora. Muito fanfarrão, costumava gabar-se:
- “Vestiu saia, não sendo padre e nem escocês, eu traço!”
À frente dele, na fila, estava uma mulher. Para fazer jus à fama, começou a se insinuar para ela. Chegou a se encostar na traseira dela, naquela prática que, à época, chamava-se ‘pinar’. O Luís conta que, quando viu foi a mulher dar um salto pra frente, virar-se para essa pessoa e exclamar, bem alto:
- “Epa! Tá vendo saia e está pensando que eu sou fêmea! Eu sou é mulher macha! Eu gosto é de mulher!”
COMPRO, MAS NÃO PAGO
Moisés Teixeira foi um dos primeiros arrendatários de cinema no Crato. Sua filha, Cléia Teixeira costumava cantar nos programas da “Hora da Saudade”, da Rádio Araripe do Crato. Posteriormente, o Sr. Moisés montou um pequeno comércio de material elétrico. O forte era a venda de lâmpadas, principalmente as de 40 w que eram as mais procuradas, por consumirem menos. No entanto, observou que o estoque dessas lâmpadas estava baixando muito e não se lembrava de ter vendido tanto. Achou que alguém estava roubando. Tomou, então, uma providência: marcou todas as caixinhas de lâmpadas com as iniciais dele – MT. E, realmente, tinha razão. O ladrão tirava de uma a duas lâmpadas de cada vez, levava para sua pequena bodega, na periferia. Quando juntou certa quantidade, foi vendê-las ao próprio Sr. Moisés. Acertaram o preço e, ao recebê-las, o Sr. Moisés verificou que todas tinham a marca que ele fizera! Disse, então:
- “Compro, mas não pago. Estas lâmpadas são minhas. Foi você quem me roubou”.
- “Que é isso, Sr. Moisés, como é que o senhor diz uma coisa dessas!”
- “Olha aqui as minhas iniciais, que eu mesmo coloquei!”
- “Não, Sr. Móisés. É que, como eu sabia que o senhor ia comprar, já coloquei as iniciais em todas as caixas!!!”.
A PAÇOCA
O Sr. Pedro Felício foi um educador exemplar e incansável no Crato. Responsável pela instalação de diversos Grupos Escolares e da Associação Caixeiral, que possibilitava o ensino noturno para aqueles que trabalhavam durante o dia. Era um curso profissionalizante de contabilidade. Portanto, na década de quarenta e cinqüenta o Crato já contava com este benefício. O Sr. Pedro mereceria uma estátua, pelo muito que fez pela educação da cidade. Era também político e, por diversas vezes candidatou-se a Prefeito, sendo sempre derrotado. Até que uma vez, já com idade avançada, a população resolveu premiá-lo pela insistência, elegendo-o Prefeito.
Pedro Felício em duas épocas
Politicamente era conservador, mas não tanto quanto os donos de engenho. O conservadorismo se estendia aos seus hábitos, além de conversar pouco. Só caminhava pelo meio da rua, por ter, em certa ocasião, escorregado numa casca de banana deixada numa calçada, levando uma grande queda. Toda segunda-feira, no almoço, tinha um prato de paçoca. Ao lado, inseparável, uma quartinha com água. Só bebia café de bule, nunca café de garrafa.
Uma determinada segunda-feira, na hora do almoço, sua esposa, Dona Ailza, (irmã do Dr. Wilson Gonçalves) falou extremamente contrariada:
- “Mas Pedro, não é que hoje eu me esqueci de fazer a sua paçoca”.
O Sr. Pedro calado, de cabeça baixa. E a Dona Ailza, extremamente contrariada:
- “Como é que pode acontecer uma coisa dessas!!. Hoje é o dia da carne de sol de Caicó! Hoje é segunda-feira, dia da sua paçoca! Eu nunca me esqueço! Como é que vai ser? Hoje você não vai gostar do almoço!”
E o Sr. Pedro calado, diante do embaraço da esposa.
- “Mas não vai acontecer de novo. Está com mais de dez anos que eu faço esta paçoca toda segunda-feira!! Como fui esquecer hoje...”
O Sr. Pedro, então, rompeu o silêncio:
- “Não, eu acho que está com mais de dez anos. Devem ser uns quinze anos!”.
Como ela continuasse a se lamentar, o Sr. Pedro disse:
- “Não, não se lamente não! Durante todos esses anos eu comi paçoca porque você botava na mesa. Mas eu não gosto de paçoca não...”
Fonte: Livro: Só no Crato - De Ivens Mourão - Direitos de Publicação concedidos ao Blog do Crato pelo autor. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS.
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