Wednesday, November 24, 2010

Quando a solidariedade humana é mais forte do que as barreiras e os preconceitos – postado por Armando Lopes Rafael


Este texto não é meu.
O preâmbulo foi escrito por Claude Marie Bloc Boris, ou simplesmente Claude, tão nossa conhecida . E os excertos – abaixo publicados – foram tirados de uma carta escrita por Francis Bloc Boris. Ao final da leitura do texto, descobrimos que a solidariedade humana pode vencer as barreiras e os preconceitos criados pelo homem. E renovamos nossa fé e esperança na humanidade...
Armando Lopes Rafael

Preâmbulo
Quem é Francis Bloc Boris? Irmão gêmeo de Hubert Bloc Boris, nascido em Paris em 1922, aos 18 anos viu-se no meio da Segunda Guerra Mundial. Participando da resistência francesa, ele acabou aprisionado em Auschwitz na Polônia, considerado o pior dos campos de concentração. Não seria necessário aqui entrar em detalhes sobre sua trajetória nos horrores do holocausto. O texto-carta em si já serve para contextualizar o episódio, e foi escrito por ele, em lembrança aos fatos com ele ocorridos e dedicado ao Padre Bonaventure, que nunca saiu do seu pensamento pela dedicação, pelo altruísmo e sentimento de humanidade. No fim de tudo, e apesar de tudo, o que restou foi o amor fraterno, evidente na beleza deste relato.
(Claude Bloc)

A carta

Fortaleza, 5 de setembro de 1985.
CARTA ABERTA AO
Reverendíssimo Padre Bonaventure
Herói da Resistência Francesa durante a Guerra 1939/1945
Sobrevivente dos Campos de Concentração Nazistas
NO CÉU

Meu velho amigo da resistência e fiel companheiro dos campos de concentração nazistas.
Acabo de ser informado que você deixou esta terra para, como você dizia, um mundo melhor. No telex recebido do Arcebispado de Lyon (França) que me informou da infausta notícia, acrescentaram que você nunca se esqueceu de mim, preocupando-se ainda com as seqüelas que me deixou a deportação e continuava apelidando-me “o judeu mais cristão do mundo”.

Minha tristeza é imensa e minhas lágrimas dificultam a elaboração desta carta. Eu nunca conheci na minha vida um ser humano como você, e, por isto, gostaria de gritar ao mundo quem você era, bem como demonstrar que segundo seu exemplo, não é tão difícil dar de si e amar ao próximo qualquer que seja sua raça, sua cor, sua religião, suas origens.

Somos um exemplo de que, se muitos homens sobreviveram a tantas provas desumanas da escravidão nazista, foi devido à solidariedade que se manifestou sob múltiplos aspectos, permitindo a muitos lutar contra o “animal” nazista e conservar sua dignidade.

Se somos, como você dizia, depositários da grande esperança pacífica de todos os homens, esquecendo o ódio sempre estéril (o que foi para mim difícil de cumprir) prestamos juramento em reunião memorável de nunca esquecer o que suportamos nos campos de exterminação.
Reverendíssimo Padre Bonaventure, apesar de sua bondade inata, sua fé incomensurável, sua abnegação total diante da qual sempre me curvei com respeito e admiração, ao ponto de não saber como consegui sobreviver, continuo judeu, por respeito aos meus ancestrais e meus pais, e por ter sofrido desde que nasci, só por causa desta origem.

Padre Irmão, quantas vezes nos abraçamos, quando juntando nossos esforços conseguíamos o impossível: “salvar um companheiro do sofrimento”. Lembrar-me-ei sempre que você, tendo acesso às cozinhas do campo, ia roubar alimento. Quando nos separamos, cada um pesava 36 e 41 kg, tão secos e esqueléticos que não conseguimos derramar uma lágrima. Você me disse então; “Meu filho, quando conseguirmos chorar, seremos definitivamente salvos”.

Hoje precisaria de você para enxugar meus olhos nesta lembrança inesquecível. Queria que este exemplo servisse ao mundo inteiro para comprovar que nós, tão diferentes, com fé diferente, conseguimos nos entender tão humanamente.

Vou lutar até o fim da vida para cumprir nossa promessa: atuar sempre a fim de que nunca mais existam campos de concentração, para que não haja mais guerras e perseguições raciais, e sim respeito mútuo, qualquer que seja sua raça, religião, crença, origem, opinião.

Reverendíssimo Padre Bonaventure, se não frequento ainda as igrejas, garanto que, se todos os eclesiásticos fossem do seu gabarito, as igrejas estariam sempre cheias. Com meu imenso respeito e eterna saudade, de seu fiel amigo e admirador,

FRANCIS BLOC BORIS
“SHALON”

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