Friday, November 26, 2010

Bola de Meia – por Jose Sávio Pinheiro (*)


Em meados do século vinte, a meninada do interior do país possuía uma verve mais dinâmica e criativa, se comparada à garotada atual. As crianças extraíam de suas mentes férteis e da natureza as mais legítimas inspirações para manufaturarem diversas formas de entretenimento.

O pião, brinquedo piriforme, com uma ponta de ferro, que gira impulsionado por um cordão, quando desenrolado bruscamente; a baladeira, forquilha de madeira, munida de elástico, com que se atiram pequenas pedras; o bodoque, arco para atirar bolas de barro endurecidas ao fogo; o cavalo-de-pau, brinquedo que simboliza um animal de montaria, derivado do talo da carnaúba, que serve para a encenação de cavalhadas e vaquejadas; o carro-de-latas, miniatura de automóvel, confeccionado com latas de óleo comestível, além de uma infinidade de passatempos sem interferência industrial ou comercial.

Todavia, a confecção de um brinquedo que ganhou o mundo em popularidade devido aos campeonatos mundiais de futebol, que encantava crianças e adolescentes, era a cilíndrica, envolvente e majestosa bola de futebol. Consegui-la nas nossas brincadeiras era quase impossível, diante das dificuldades financeiras daquele pequeno grupo de atletas mirins. Porém, o sonho de vê-la rolando nos campos improvisados, sob os nossos pés, era a mais pura realidade.

A bola tradicional de borracha ou couro era uma utopia, daí termos de improvisar e construir aquele objeto tão desejado. O primeiro passo seria conseguir uma meia, geralmente dos nossos pais, o que era teoricamente impossível, pois aquele par jamais poderia ficar ímpar, segundo a argumentação das nossas mães. E, para dificultar ainda mais, o estoque era muito limitado, já que os nossos genitores não usufruíam, rotineiramente, de tal indumentária.

Conseguida a dificílima peça de algodão ou náilon, na maioria das vezes subtraída, ilegalmente, restava arregimentar um amigo para conseguir o algodão descaroçado ou alguns pedaços de pano macio para formatar a futura bola, que iria ser lançada no campo sagrado da nossa imaginação para a alegria da nossa infantilidade.

Sem meias palavras, a bola de meia, feita de meia (em parceria), era chutada com um pé sem meia, dando ao pequeno atleta, além de um dolorido calo de sangue no dedão, um poder só encontrado no mais profundo plano da sua imaginação.
(*) Jose Sávio Pinheiro, médico, escritor, poeta e membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel

(Transcrito do Blog do Sanharol e postado por Armando Lopes Rafael)

No comments:

Post a Comment