Wednesday, October 26, 2011

Os Últimos momentos de Kaddafi, relatados por seu motorista particular

Huneish Nasr viu o homem para quem trabalhou por 30 anos em pé nas ruínas de Sirte, com uma expressão confusa, enquanto o caos o cercava. "Estava tudo explodindo", diz Nasr, motorista pessoal de Gaddafi, relembrando os momentos anteriores à captura do ditador deposto, na semana passada. "Os revolucionários estavam nos perseguindo. Ele não estava com medo, mas não parecia saber o que fazer. Foi a única vez que o vi desse jeito".

Minutos mais tarde, os eufóricos rebeldes haviam posto fim à resistência final de Gaddafi, capturando o quartel-general arruinado de suas forças na cidade em ele nasceu e se tornou o seu último e ignominioso refúgio.

Nasr disse que levantou as mãos em sinal de rendição quanto rebeldes armados se aproximaram. Foi derrubado com uma coronhada, que causou um olho roxo. Gaddafi estava sendo removido de uma grande tubulação de drenagem, quando Nasr caiu. Quando o viu pela última vez, o líder deposto estava cercado de rebeldes. Depois, os dois começaram a ser espancados.

Agora, passada uma semana, Nasr e Mansour Dhao, chefe dos seguranças do ditador executado, parecem ser os únicos sobreviventes da velha guarda de Gaddafi capazes de narrar o que aconteceu em seus frenéticos dias finais.

"Se outro dos integrantes de sua equipe pessoal sobreviveu, não sei onde pode estar e o que lhe terá acontecido", disse Nasr, em sua cela improvisada em um quartel de Misrata.
A batalha por Sirte o deixou surdo do ouvido direito, o que o força a se inclinar ansiosamente para ouvir as perguntas. "O resto deles pode ter sido capturado pelos revolucionários ou talvez estejam mortos", disse.

Agora que pelo menos um arremedo de ordem começa a surgir depois de uma semana tumultuosa para os rebeldes e os partidários derrotados de Gaddafi, em Misrata, começa a surgir o quadro de um ditador que ou decidiu desafiar o destino ou estava completamente iludido quanto à realidade, nos dias que antecederam sua sangrenta execução em Sirte. Ninguém sabe ao certo o que ele estava pensando. Nasr conta que passou os cinco dias finais do cerco em companhia de Gaddafi, escapando de casa em casa para fugir aos combatentes que disparavam suas armas e detonavam explosivos sem parar no bairro conhecido como Distrito 2. Ainda usando a camisa púrpura e ensanguentada que vestia na quinta-feira passada, quando Gaddafi foi morto, Nasr, um homem de pouco mais de 60 anos, disse que seu ex-chefe não parecia compreender o que estava acontecendo em torno dele.

"Ele estava estranho", diz o motorista. "Parava e ficava imóvel, olhando para o oeste. Não percebi medo nele. Passei 30 anos trabalhando para o homem, e juro por Deus que jamais presenciei qualquer comportamento indevido de sua parte. Ele me tratava bem".

"Sempre foi simplesmente um chefe", acrescentado, explicando que recebia um salário mensal de 800 dinares (pouco mais de US$ 300) e tinha uma casa para morar em Sirte.

Como muitos dos membros do círculo de servidores mais próximo a Gaddafi, Nasr era membro da tribo do líder. Sem o nome tribal e as décadas de serviço, seria improvável que estivesse ao lado do chefe em seus dias finais. Gaddafi terminou abandonado por quase todos aqueles em quem confiava, e muitos dos que se mantiveram firmes simplesmente tinham muito a perder caso o regime caísse.

Nasr viu os últimos e desesperados meses sob um prisma mais simples. "Acreditei neles quando me disseram que estávamos combatendo pessoas ruins", disse. O motorista se manteve leal a Gaddafi mesmo depois de se aposentar, em março. "Eu fui instruído a deixar o trabalho em 17 de março, e voltei a Sirte", conta, acrescentando que só voltou a ver Gaddafi em setembro, depois que o líder deixou Trípoli em companhia de quatro outros homens: Mansour Dhao, Mohammed Fahima (o motorista que substituiu Nasr), Izzedin al-Shira (um líder dos serviços de segurança) e Abdullah Khamis.

Nasr foi evasivo quando perguntado sobre a data em que descobriu que o antigo chefe estava em Sirte. Diz que foi por volta de 10 de outubro, mas muitos dos remanescentes do círculo mais chegado a Gaddafi já haviam começado a formar uma guarda de proteção semanas antes. "Uma patrulha me apanhou e me trouxe aqui", ele disse, com olhos escuros e fatigados. "Jamais tive coisa alguma contra os revolucionários", acrescentou, causando um sorriso largo e cético no jovem rebelde que estava de guarda no local.

Na manhã da terça-feira, o leal motorista de Gaddafi foi jogado na caçamba de uma picape e conduzido ao deserto na companhia de alguns outros homens. Viu seu antigo chefe ser depositado em uma cova sem qualquer identificação, e viu o corpo ser coberto de areia. Foi um destino que jamais havia esperado para um homem que considerava infalível. Já o destino pessoal de Nasr é bem menos certo.

MARTIN CHULOV
DO "GUARDIAN" - TRADUÇÃO DE PAULO MIGLIACCI ( Folha.com )

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