Friday, April 22, 2011

CRATO - Histórias e Estórias do Crato de Antigamente - Por: Ivens Mourão


Nota do Editor: Bom Dia, Crato! - Até que hoje está bem com cara de Domingo aqui em Crato, em plena sexta-feira da paixão. E já que parece Domingo, como é de costume, trazemos as famosíssimas "estórias e histórias do Crato de antigamente", do Ivens Mourão.

A PAÇOCA

O Sr. Pedro Felício foi um educador exemplar e incansável no Crato. Responsável pela instalação de diversos Grupos Escolares e da Associação Caixeiral, que possibilitava o ensino noturno para aqueles que trabalhavam durante o dia. Era um curso profissionalizante de contabilidade. Portanto, na década de quarenta e cinqüenta o Crato já contava com este benefício. O Sr. Pedro mereceria uma estátua, pelo muito que fez pela educação da cidade. Era também político e, por diversas vezes candidatou-se a Prefeito, sendo sempre derrotado. Até que uma vez, já com idade avançada, a população resolveu premiá-lo pela insistência, elegendo-o Prefeito.



Pedro Felício em duas épocas


Politicamente era conservador, mas não tanto quanto os donos de engenho. O conservadorismo se estendia aos seus hábitos, além de conversar pouco. Só caminhava pelo meio da rua, por ter, em certa ocasião, escorregado numa casca de banana deixada numa calçada, levando uma grande queda. Toda segunda-feira, no almoço, tinha um prato de paçoca. Ao lado, inseparável, uma quartinha com água. Só bebia café de bule, nunca café de garrafa. Uma determinada segunda-feira, na hora do almoço, sua esposa, Dona Ailza, (irmã do Dr. Wilson Gonçalves) falou extremamente contrariada:

- “Mas Pedro, não é que hoje eu me esqueci de fazer a sua paçoca”.

O Sr. Pedro calado, de cabeça baixa. E a Dona Ailza, extremamente contrariada:
- “Como é que pode acontecer uma coisa dessas!!. Hoje é o dia da carne de sol de Caicó! Hoje é segunda-feira, dia da sua paçoca! Eu nunca me esqueço! Como é que vai ser? Hoje você não vai gostar do almoço!”
E o Sr. Pedro calado, diante do embaraço da esposa.
- “Mas não vai acontecer de novo. Está com mais de dez anos que eu faço esta paçoca toda segunda-feira!! Como fui esquecer hoje...”
O Sr. Pedro, então, rompeu o silêncio:
- “Não, eu acho que está com mais de dez anos. Devem ser uns quinze anos!”.
Como ela continuasse a se lamentar, o Sr. Pedro disse:
- “Não, não se lamente não! Durante todos esses anos eu comi paçoca porque você botava na mesa. Mas eu não gosto de paçoca não...”

A “FAMÍLIA”

Existia no Crato um senhor que era famoso por ser um autêntico garanhão. Era uma onça para comer gente. Teve duas filhas com uma amante. Ficou preocupado que aquelas meninas crescessem sem ter a referência de uma família. Então resolveu criar uma, mesmo que fosse artificial. Montou uma casa para a amante, que vivia com as filhas. Mas faltava a figura masculina. Ele próprio não poderia, pois já tinha a sua família e não pensava em abandoná-la. Lembrou-se, então, de um dos freqüentadores da Praça Siqueira Campos, que estava sempre com os motoristas de “carros de praça”. Vivia de fazer biscates que não lhe custassem muito esforço. Aqui e acolá fazia uma corrida, quando um motorista não podia ir, o que lhe garantia uns trocados. Os irmãos dele eram bem diferentes. Todos bem empregados, alguns até formados. Ele, não. Não queria nada com a vida.

O velho resolveu “contratar” essa pessoa para ser o “homem” da casa. Em compensação lhe daria um Jeep, no qual poderia fazer suas corridas e ganhar um dinheirinho. As despesas da casa, garantia o senhor, ficariam sob a sua responsabilidade. Além disso, respeitaria a “casa” do “contratado”. Quando quisesse ter encontros amorosos com a amante seria em outro local, nunca na “casa” dele. Como exigência, ele não poderia bater, de maneira nenhuma, nas meninas. Ele disse na hora:

- “Eu topo!!! Mas querendo pode ter o encontro com ela lá ‘em casa’ mesmo”.

- “Não, não. Isto aí não. É uma questão de honra”.

Chegando a época do Natal, o velho parou o carro em frente da “casa”, da filial. Ficou, sentado no carro mesmo, combinando os presentes de Natal para as meninas. Enquanto isso o “homem da casa” estava sentado na sala da frente. Definidos os presentes das filhas e da amante, ele, discretamente perguntou:

- “E para ele, o que é que eu compro?”

Ouviu-se, então, uma voz, de dentro da casa:
- “Uma calça de Brim Coringa, mesmo!!!”

TWO BEARS

Antônio Venâncio foi um dos homens mais ricos do país. Começou a sua fortuna no Crato. Embora tivesse poucos estudos, possuía uma visão fantástica para negócios. Vindo do Assaré, começou a negociar no Crato. Percebeu que o período da Guerra era uma boa oportunidade para ganhar dinheiro. Passou a vender para o exército gêneros alimentícios ou determinados produtos estratégicos, que se valorizaram no período do conflito mundial, como mamona, algodão e couro. Devido aos torpedeamentos dos navios na costa brasileira, os produtos do Nordeste para o sul passaram a ser transportados pelo Rio São Francisco. Os do Cariri eram transportados em caminhões do exército, para o porto de Petrolina. O Venâncio fez amizade com os oficiais e passou a ser o comprador deles, no Cariri. O Luís lembra-se bem de tê-lo visto pedindo adiantamento na firma do meu avô e do Sr. Joaquim Bezerra, para comprar as primeiras mercadorias, iniciando assim a sua brilhante carreira no mundo dos negócios. Do Ceará foi para o Rio de Janeiro, onde multiplicou a fortuna. Com a inauguração de Brasília, apostou na cidade e desfez-se de todos os seus imóveis no Rio, investindo tudo em Brasília, solidificando a sua fortuna. Chegou a ser Senador pelo Distrito Federal. Tinha como seus auxiliares de mais confiança, pessoas da região. Um deles era o Tobias Mota, irmão do Dr Oriel Mota, que chegou a ser Deputado e Superintendente da Cibrazem. Moravam vizinho à nossa casa, na Praça Francisco Sá. Tobias era alto, com um andar meio desengonçado, que o meu tio Francisco Mourão imitava. O certo é que o Tobias foi gerenciar o escritório de importação e exportação do Venâncio, em Nova Iorque. Certa vez o Venâncio foi visitar o escritório nos Estados Unidos. Ele e seu Gerente foram a um restaurante. Na conversa muito animada, todas as vezes que pronunciava o nome do Tobias o garçom, com muita presteza, colocava duas cervejas na mesa...

CARO COLEGA

Lembro-me bem do Zé de Sousa. Era um preto alto, enfermeiro, tendo por principal atividade o atendimento a chamados para aplicar injeções nas residências. Era o concorrente do Sr. Miguel, que aplicava as injeções em nossa casa. Este chegava com o aparelho de injeção na mão, vestindo um terno meio surrado e gravatinha borboleta. Estava sempre com a testa cheia de gotinhas de suor. Já o Zé de Sousa andava sempre de branco, como se fosse um médico. Até os sapatos eram brancos. Em seu pequeno ambulatório, de uma porta só, além de aplicar injeções, fazia pequenos curativos. Seus principais clientes eram rapazes ou senhores casados que contraiam doenças venéreas e necessitavam se submeter aos dolorosos tratamentos da época. O Luís recorda-se muito bem que o Zé de Sousa só andava muito perfumado. Era o cheiro de uma brilhantina da marca Le Man de Coty. Em certa ocasião, o Luís contraiu uma infecção intestinal e o médico receitou uma série de injeções. Todas as vezes que sentia o cheiro daquela brilhantina sabia que o Zé de Sousa tinha chegado para aplicar a injeção que ele tinha pavor. O Zé de Sousa orgulhava-se muito dessa sua atividade, queiram ou não, na área médica. Por esse motivo foi humilhado por um médico - o mesmo que receitara o Luís - o que o fez ir embora para o Rio de Janeiro, montar uma farmácia com ajuda do Venâncio, e nunca mais voltar. Tudo por ele ter chamado o médico de:
- “Caro colega”.

Por: Ivens Mourão, do seu livro - "Só no Crato" - Proibida a Reprodução sem Autorização

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