Recuando no tempo, as minhas lembranças remontam a alguns episódios de quando eu tinha dois anos de idade. Antes de sua morte, a minha mãe se surpreendeu quando eu, já velho e barbado, lhe perguntei em que ano ocorreram determinados fatos da minha infância. Guardo muita coisa na minha memória anterior, hoje com sua área de armazenamento já totalmente preenchida, de modo que não mais me ocorrem lembranças de anos mais recentes.
Eu tinha quatro anos e três meses de idade, quando descobri que o tempo era medido em anos. Leni, uma pessoa muito querida em nossa casa, rasgou a folhinha do calendário e disse: “Hoje é primeiro de janeiro de 1950. Faltam dez anos para o mundo acabar”. Foi assim que eu fiquei sabendo de duas coisas. Primeira: que cada determinado período de nossa vida constituía um ciclo que nós denominávamos ano. A segunda foi uma informação que me deixou bastante apreensivo. O mundo um dia iria acabar. E este dia estava bem próximo, pois dez anos para mim seria uma coisa que passaria rapidamente. Esta perspectiva do fim do mundo me apavorou só em pensar, que toda a vida existente um dia se acabaria. Por isso, a cada primeiro de janeiro, revejo a imagem de Leni puxando a folhinha do calendário e destacando aquele marco. Hoje guardo um sorriso pelos anos e anos em que tive medo das “três noites de escuro” que prenunciava o “fim do mundo” previsto, portanto para ocorrer em 1960.
Neste ano, que ontem se encerrou, quando me encontrava na UTI de um hospital, durante o pós-operatório de uma delicada intervenção cirúrgica, senti por alguns instantes a proximidade do “fim do mundo”.... E lembrei-me de Leni, que hoje vive no “outro mundo” preparando para os anjos e santos seus deliciosos bolos, pudins e o incomparável “baba de moça”, um doce feito com a polpa do coco verde, com os quais me empanturrei durante tantos anos. Tenho certeza que seus divinos clientes não correrão o risco de ter suas artérias obstruídas, como ocorreu comigo.
Por Carlos Eduardo Esmeraldo
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