Wednesday, December 29, 2010

A Cigana – por Carlos Eduardo Esmeraldo


O mês de novembro do já distante ano de 1963 transcorria lentamente. Nas rádios, ouvíamos insistentemente o sucesso do momento, a extraordinária canção de Tom Jobim, “Garota de Ipanema”, uma música que ainda hoje é sinônimo de Brasil pelo mundo afora, assim como “Aquarela do Brasil” é confundida com o nosso hino. No Crato, o rebuliço das mocinhas era a chegada de uma cigana que, instalara sua tenda num terreno baldio, ao lado da estação do trem, bem defronte da Drasa, a revendedora dos fusquinhas. A tal cigana era festejada porque segundo muitos acreditavam, adivinhava tudo e previa muitas coisas para o futuro, principalmente o príncipe encantado tão ansiosamente aguardado pelas sonhadoras. Eu ouvia dizer que até alguns rapazes foram vistos consultando a tal cigana. E a fila dobrava o quarteirão.

Para mim, aquele mês de novembro ficou gravado na memória como um marco significativo de muitas perdas. É que no inicio do mês, eu sofri uma grave contusão no joelho, durante uma disputadíssima partida de futebol de salão, um esporte muito em moda no Crato daquela época. Fiquei o mês inteiro preso à cama, com um extraordinário inchaço no joelho esquerdo, que deixou minha perna dobrada em ângulo de noventa graus. Não podia andar e sequer levantar-me da cama.

Uma das conseqüências dessa lesão teria sido a remota possibilidade da seleção brasileira tricampeã mundial de futebol em 1970 haver sido definitivamente desfalcada de um esforçado ponta-esquerda cratense. Uma grande perda minha e sorte do Rivelino. Além do mais, um tímido sonhador foi retirado da vida social da cidade por mais de um mês, isto é; da Praça Siqueira Campos.

Para fugir da monotonia daqueles dias, eu lia tudo que me chegava às mãos, desde Machado de Assis até as fotonovelas da revista “Capricho”. No Colégio Diocesano, por ordem do Monsenhor Montenegro, as minhas notas do mês de novembro foram repetidas, pois àquela altura já me encontrava aprovado por média. No final do mês, já estava completamente recuperado.

Em janeiro do ano seguinte, eu pisava firme com as duas pernas, sem nenhum vestígio da lesão que me prendera à cama durante um longo mês.

Certo dia, eu estava vindo do São José para o Crato, e ao descer de um ônibus defronte da estação do trem, avistei ao lado, a tal tendinha da cigana. Já não havia mais a extensa fila de antes. Não tive dúvidas. Entrei movido mais pela curiosidade, pois nunca dei muita bola para essas coisas de cartomante ou adivinhas. Não sou daqueles que acreditam em bruxarias. Para mim isto não existe. Acho mais importante deixar que as coisas aconteçam e confiar na proteção divina.

Entretanto, parece que algumas pessoas possuem algum tipo de percepção extra-sensorial, capaz de comunicar-se com os outros por algum processo telepático. A tal cigana poderia ser uma dessas. Mas acho que ela deu mesmo foi um tremendo chute. Assim que eu entrei, ela bateu com toda força na bola e acertou em cheio: “Você esteve doente, problema na perna, não foi?” Depois previu que eu faria um grande concurso nos próximos três anos, e que morreria rico e no exterior. Ao indagar em qual país, ela respondeu: “na minha terra, a Espanha!”.

Repito que eu nunca dei importância a essas tais previsões. Do meu passado, aquela charlatona acertou alguma coisa cobrando escanteios. Quanto ao futuro, tirando o previsível concurso vestibular, acredito que a cigana acertou na riqueza. Mas não necessariamente riqueza de bens materiais, como ela insinuava. A esta altura, estou mais preocupado em “ajuntar tesouros que nem a traça corrói ou os ladrões roubam”. Se eu hoje sou rico, é de felicidade, o que já uma grande fortuna.

Não foi possível ainda testar a outra previsão da artilharia daquela cigana com uma viagem à Espanha. Tenho certeza que algum dia eu e Magali iremos conhecer a Europa, inclusive a Espanha. E esperamos voltar vivos.

Por Carlos Eduardo Esmeraldo

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