Saturday, November 7, 2009

CRATO - Histórias e Estórias do Crato de Antigamente - Por: Ivens Mourão


Crato - Histórias e Estórias - 1a Edição.

OS GÊMEOS

Quando morei na Praça Francisco Sá, nº 26, o vizinho da esquerda era o Sr. Mário Teixeira com a esposa, Dona Maria. Tinham vários filhos Dentre eles os gêmeos idênticos Ronaldo e José Alfredo. A Dona Maria, sempre às três horas da tarde servia uma merenda aos filhos. Os meninos geralmente ficavam brincando na própria Praça. Um certo dia, Dona Maria chegou à porta e gritou:

- “Merenda!”


O Ronaldo, que era o mais esperto dos gêmeos, correu pra dentro de casa para merendar. O José Alfredo continuou brincando. O Ronaldo chegou e disse:

- “Mamãe, minha merenda”.

- “Quem é você?”
- “Eu sou o Ronaldo, Mamãe”.

Merendou apressado e voltou para a praça. Só que, ao chegar na calçada, deu meia volta e, novamente diante da mãe, pediu a merenda. A Dona Maria serviu-lhe, pensando que era o José Alfredo. Passado algum tempo, o José Alfredo lembrou-se da merenda e correu para casa. Chegou junto da mesa e pediu:

- “Mamãe, minha merenda”.

A mãe, pensando que era o Ronaldo fazendo se passar pelo José Alfredo, pegou-lhe pelo braço e mandou-lhe a chinela. O Zé Alfredo dizia:
- “Mamãe, eu sou o ‘Safredo’.”
E a pisa comendo. E ela:
- “Você é o Ronaldo. Quer me enganar, não é?”.
- “Mamãe, eu sou o ‘Safredo’”.
E a pisa comendo...

DENTE INDISCRETO

Se existe um trauma do qual nunca consegui me recuperar foi o do tratamento de dentes com aquele aparelho de obturação movido a pedal. Que tortura! Não consigo, até hoje, nem falar em dentista. Estando numa roda, se o assunto descamba para tratamento dentário eu vou saindo de fininho, só retornando quando a conversa volta a ser civilizada. Até para escrever este texto, fico arrepiado. O torturador era o dentista da família, muito amigo de papai. Estava sempre rindo. Mas acho que aquela tortura não ficou impune. Certo dia extrai um dente. A recomendação era guardar repouso até o outro dia. Ao invés de correr na rua ou jogar futebol resolvi brincar de baralho, jogando uma partida de ‘batalha’ com um amigo. Comecei a sentir uma coisa estranha na boca. Fui à pia cuspir e saiu muito sangue. E não parava. Estava com uma hemorragia. Papai, apavorado como era, tratou de localizar o dentista. Ligou para todos os locais em que ele poderia estar e nada de achá-lo. A esposa dele também entrou na busca. Os amigos comuns, também. Até que um deles o encontrou na ‘Glorinha’. Ele curou a minha hemorragia, mas não sei se curou a raiva da esposa, devido àquele dente indiscreto...

SÓ DEU ISSO?

Os médicos, antigamente, eram os chamados ‘médicos de família’. Acompanhavam o desenvolvimento da família toda. Raramente ia-se ao consultório. Eles é que visitavam as residências. Toda casa tinha a bacia do médico, a toalha do médico, o sabonete do médico. Se tiver alguém que usou desse direito foi papai. Um filho não podia dar um espirro e ele já estava ligando para o médico. Acredito que deva ter ficado ainda mais preocupado quando perdeu o primeiro filho a nascer no Crato, o Geraldo. Foi apresentar o filho à mãe, em Crateús, e lá a criança morreu. Foi um trauma do qual papai e mamãe nunca se recuperaram. Não comentavam nada sobre este fato para nós. Eu fui o primeiro a nascer após este drama. O nosso médico era o Dr. Macário, que acompanhou passo a passo o meu crescimento que, aliás, quase não houve. Herdei a altura dos Aráujos e não a dos Mourões. Os outros irmãos são altos e eu sou o baixinho da família. E também, sempre fui de compleição magra. Nunca passei dos cinqüenta quilos.
Estava uma época construindo no Crato, quando encontrei o Dr. Macário. Alguém disse: “Este é o Roberto, filho do Mourãozinho e da Giseuda”. Olhou-me de “baixo” a baixo e disse:

- “Espere, e só deu isso?”
- “O culpado foi o senhor, Doutor, que era o meu médico!!”


Dr. Macário o “meu” médico. Ao lado, a minha irmã Yara.

E A COCA?

O meu irmão Marcelo Mourão é cinco anos mais novo do que eu. Foi o protótipo do menino levado, danado, terrível, traquina. Tudo o que tiver de adjetivo para qualificá-lo como terrível, ajusta-se a ele. Quando se juntava com o Querginaldo, filho do Dr. Aloísio Cavalcante (morava quatro casas depois da nossa), não tinha quem suportasse. O Zé Porrada, coitado, sofreu muito nas mãos deles. Todos os funcionários da Rádio Araripe já os conheciam como autênticos pimentinhas. Em frente à minha casa existia um pequeno bar, chamado Quitandinha, por sugestão do meu pai. Todos esses artistas famosos do Rio, nas horas de folga, geralmente iam até lá beber um refrigerante ou tomar um café. Um dia estava o Vicente Celestino conversando despreocupadamente com o Wilson Machado. Ele resolveu tomar uma coca-cola no Quitandinha. Comprou a coca naquela garrafa pequena, americana, de vidro de cor esverdeada. Colocou o canudo. Como a conversa estava muito boa, pôs os braços para trás, e ficou segurando a garrafa de Coca-Cola. Nisso o Marcelo chegou, sorrateiramente, e sugou a coca inteira. Saiu de fininho e ficou encostado na porta lá de casa, com a cara mais sonsa do mundo. Quando o Vicente Celestino levou a Coca à boca para beber, exclamou:

- “A coca sumiu!!!”

Vicente Celestino
O Wilson Machado, quando viu o Marcelo na porta lá de casa, foi logo esclarecendo:
- “Foi o Marcelo que bebeu sua Coca!”
Ele só fez dar meia volta e correr para dentro de casa!



Wilson Machado, quando vereador em Crato, em 1950. Era o autor das crônicas diárias na Amplificadora Cratense. O programa era “Folias Cratenses”. Tornou-se Diretor da Rádio Araripe e posteriormente foi para a rádio e TV em Fortaleza. Em Fortaleza no seu programa “Cantinho da Saudade” estava sempre enviando alguma mensagem para o meu pai, seu grande amigo a quem o chamava de Mourãozinho. Amizade selada com o amor comum ao Flamengo. Conhecia bem as artimanhas do meu irmão Marcelo.

GATO ARTISTA

Na programação diária da Rádio Araripe tinha os programas musicais. Enquanto estava tocando uma música, o locutor ausentava-se do estúdio para tratar de outro assunto qualquer. Nas salas da emissora existiam aparelhos de rádio sintonizados na própria estação. Certo dia, durante um programa do Wilson Machado, estando ele na sua sala quando, ao invés de música, ouviu miados de gatos. Espantado com aquilo, correu para o estúdio. Flagrou o Marcelo e o Querginaldo de posse do microfone, imitando gatos.

O CENSO

Quando o meu irmão Marcelo nasceu, o que hoje é cardiologista em Porto Alegre, mamãe conseguiu uma babá para ele. Tinha o apelido de ‘Véia’. Não sei o porquê do nome, pois era jovem, não tinha nada de velha. Ela se apegou muito à criança, e o Marcelo a ela. Era muito despachada, não tinha papas na língua. Vez ou outra se engalfinhava com a copeira, Alice, que era sua prima. Sobrava sempre para a copeira, pois o meu irmão não podia mais se afastar dela. Com a idade de um ano, o Marcelo adoeceu, chegando a ser desenganado por um médico. Papai chamou o Dr. Jézer, recém chegado ao Crato, que discordou do parecer do colega. Mudou o tratamento e a criança recuperou-se completamente. Dias depois, a Véia estava dando banho de sol no Marcelo na Praça, quando o médico que o havia desenganado cruzou com ela e perguntou:


A Véia, primeira da esquerda para a direita, com o Marcelo. Ao lado o “chapéu de engenheiro” e eu “debaixo dele”. Minha mãe com uma sombrinha para proteger do sol, o Raimundo de terno, a Yara com suas tranças e uma parenta, Adilce. Foto colhida na entrada do Crato Tênis Clube.

- “De quem é esse menino?”.
- “É do Sr. Mourãozinho e da Dona Giseuda.”
E demonstrando ressentimento com ele, completou:
- “É aquele que o senhor desenganou!”
Em 1950, houve o censo e a Véia foi entrevistada. Quando o pesquisador indagou se ela era solteira ou casada, indignou-se. Ficou em pé, pôs as mãos nas cadeiras, tomou um fôlego e, com o dedo em riste na cara do entrevistador, disse, com os dentes cerrados de raiva:
- “Eu sou é MOOOOÇAAA!!!!”.


Fonte: Livro "Só no Crato" de Ivens Mourão - Direitos de Publicação concedidos ao Blog do Crato pelo autor - TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

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