Saturday, April 21, 2012

O simulacro de um julgamento -- por Armando Lopes Rafael

(capítulo do livro -- inédito -- "Pinto Madeira, o Caudilho do Cariri", de Armando Lopes Rafael)
Na foto abaixo, o que resta da antiga Casa do Senado da Câmara da Vila Real do Crato, onde houve o julgamento de Pinto Madeira, a maior farsa de um júri já realizada no Ceará
   Recordemos que tanto o agora presidente da Província do Ceará, José Martiniano de Alencar, como o general Labatut deixaram oficialmente registrado que a Comarca de Crato não possuía juízes preparados e imparciais para julgarem os réus. Naquela época, era comum também o fato de os juízes serem ligados aos  partidos políticos que disputavam o poder.

   Alencar, em 1º de março de 1832, escreveu uma representação ao Ministro dos Negócios do Império, na qual constou esta frase:  “Além disso, conviria despachar quanto antes um Ouvidor para a Comarca do Crato, pois não havendo ali um só Juiz letrado, nem haverá quem faça processo aos réus, caso sejam presos”. Já o general Labatut, em ofício escrito ao Ministro da Guerra do Brasil, em 14 de outubro de 1832, escreveu:   “Como, pois, poderão ser julgados os réus por juízes inçados da mesma opinião dos partidos que assolam a província? Por isso rogo a V.Excia. se digne de atender ao meu último oficio do Icó, em que, conhecendo cabalmente os males que acabrunham a nova comarca do Crato, eu pedia juízes íntegros, justos e sábios por não haver um só letrado, em toda ela, os de paz e ordinários são mui leigos e pertencem a um e outro partido”.
  
    José Martiniano de Alencar conhecia, pois, com profundidade, o despreparo e a precariedade do aparelhamento jurídico da Comarca do Crato, comandada por pessoas a quem faltava – além do  conhecimento jurídico específico –  o necessário discernimento e equilíbrio para o exercício do múnus do Juízo.
   Pois foi nesse ambiente que, em 26 de novembro de 1834, Pinto Madeira compareceu perante um tribunal popular para ser julgado. Em 14 de abril de 1830, quatro anos e sete meses antes do seu último julgamento, Pinto Madeira tinha enviado  ao Ouvidor de Crato  um requerimento no qual nominava seus inimigos. No requerimento de 1830,  ele relacionou diversas pessoas, pedindo que não as convocassem para testemunhar, na devassa que estava sendo movida contra sua pessoa. Da antiga relação quatro nomes agora participavam do julgamento do caudilho: o tenente-coronel José Vitoriano Maciel, atuando como juiz leigo que presidiu ao júri;    Romão José Batista, José Ferreira Castão e  Antônio Ferreira de Lima, como integrantes do Conselho de Sentença.    Os demais jurados – José Gregório Tavares, Raimundo José Camelo, Manoel Joaquim Carneiro, Raimundo Gonçalves Parente, Manoel Carlos da Silva, Roque de Mendonça Barros, Antônio de Oliveira Carvalho, Raimundo Pedroso Batista e Antônio Luís do Amaral –   eram todos inimigos do réu.
   Como promotor de justiça, atuou o major Antônio Raimundo dos Santos. Funcionou como advogado de defesa,  o padre Manuel dos Santos Brígido, vigário de Exu, município pernambucano vizinho a Crato. O escrivão foi Antônio Duarte Pinheiro. Pesava contra Pinto Madeira a acusação de crime de rebelião contra a ordem constituída. Não foi este, porém,  o delito  apresentado contra ele,  no julgamento de 26 de novembro de 1834. Pediram sua condenação à pena última, “pela morte feita ao bom cidadão Joaquim Pinto Cidade, que desgraçadamente foi preso pelas tropas do malvado, na ocasião em que marchavam contra os habitantes desta vila (de Crato),  no dia 27 de dezembro de 1831”. Foi isso o que foi relatado no ofício assinado pelo juiz leigo José Vitoriano Maciel, e enviado ao presidente da Província do Ceará, padre José Martiniano de Alencar, no dia seguinte à condenação do réu.
   
   Ao deixarem o libelo político, optando pela acusação da morte de Joaquim Pinto Cidade, o objetivo dos inimigos de Pinto Madeira era julgá-lo por um crime comum, ficando assim o réu sem justificativa nem escapatória. Na sua defesa, Pinto Madeira não negou que liderava as tropas revoltosas. Afirmou, no entanto,  que não conhecia Joaquim Pinto Cidade. Nunca o tinha visto e negou qualquer participação na morte do liberal cratense. Declarou, ainda,  que ao chegar ao Sítio Brejão, já o encontrou morto, mas ainda teve tempo de impedir outra morte: a  de um companheiro do liberal cratense assassinado antes da sua chegada.
   “Das trinta testemunhas de acusação vinte depuseram que sabiam do fato somente por ouvir dizer; três disseram nada saber; duas ouviram os tiros que mataram Pinto Cidade. Duas afirmaram que ele foi morto pela tropa de Pinto Madeira;  uma assegurou conhecer o caso, por ser de domínio público. E unicamente uma presenciou e viu o comandante da vanguarda, (Francisco Xavier Matos, vulgo Veneno), e seus soldados atirarem na vítima, depois de aquele ter estado com Pinto Madeira... Testis Unus, Testis nullus” (Uma testemunha, nenhuma testemunha).
   “Compareceram somente três testemunhas de defesa. O juiz não permitiu que se transcrevessem por escrito os depoimentos de duas. O da terceira foi totalmente invertido. Ela protestou com energia. Ao sair do tribunal, deram-lhe tão bárbara surra que deitou sangue pela boca! “a visto disso, o réu pediu ao seu advogado que desistisse da inquirição das outras”.
   “Ao conselho de sentença o juiz logo apresentou os seguintes quesitos: 1 – Existe crime no fato ou objeto da acusação? 2 – O acusado é criminoso? 3 – em que grau de culpa tem incorrido? As perguntas, capciosas em si, não deixavam margem a evasivas. Era pão-pão, queijo-queijo. O conselho respondeu sim às duas primeiras e capitulou o crime, com circunstâncias agravantes, no art. 192 do Código Criminal, o que correspondia à pena máxima. O presidente do tribunal leu, por conseguinte, a sentença de morte.

   Quando terminou a leitura, Pinto Madeira disse calmamente:
   – Apelo!

    O juiz José Vitoriano replicou-lhe com arrebatamento:
    – Não tem apelo nem agravo, senhor coronel, prepare-se para morrer que morre sempre – conforme foi testemunhado pelo Dr. Leandro de Melo Ratisbona – (30)
     Pinto Madeira foi levado de volta ao cárcere. Às seis horas da tarde, os sinos da Igreja de Nossa Senhora da Penha começaram a dobrar finados. Perguntou por quem eram aqueles dobres. O comandante da guarda,  sargento Manoel José Braga Coelho, respondeu com crueldade:
   – São pelo senhor que vai morrer amanhã de manhã.

    Pinto Madeira não deu uma única palavra.
(Depoimento da testemunha presencial Amaro Ferreira da Silva, cfe. citação no livro “História Secreta do Brasil”, volume II, Gustavo Barroso, página 153).

Abaixo, placa colocada no que resta da Casa do Senado da Câmara da Vila Real do Crato

   
Notas de “ O simulacro de um julgamento”
(30) FIGUEIREDO FILHO, José de. História do Cariri–Volume III. Edição da Faculdade de Filosofia do Crato, 1966. pag. 41-42

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