Monday, December 20, 2010

PÃO VELHO - Por Edilma Rocha

Ao mudar para um bairro novo em Fortaleza me deparei com novas visitantes a minha porta todas as manhãs nas segundas, quartas e sextas-feiras. Estava empolgada com a casa nova construída a partir de um desenho próprio, motivo de orgulho.
- Senhora me dê um pão velho ?
Se fez ouvir  por uma vozinha infantil na espera de uma resposta. Fui até o portão  e me deparei com a imagem real desta linda criança que ilustra esta portagem.
- Pão velho não serve mais !
- Serve !
Quando não tem partes verdes minha mãe esquenta e comemos com café !
Fui até ela e vi que estava sozinha mas lá longe numa carroça puxada por um burro se encontravam duas outras meninas a esperar...Suas irmãs mais velhas.
- Você não estuda?
- Estou com a escola em greve e não temos comida em casa. Somos catadoras de lixo.
Aquilo me doeu como um golpe no peito. Vi através do rosto daquela criança toda a falta de sorte e infortúnio. Cabelos lourinhos mal cuidados, franzina, pés descalços, olhos pequenos e o rosto vermelho e bronzeado pelo sol da região da Praia do Futuro. Vivia a mendigar pelas  portas das casas na esperança de que alguém lhes desse um pão velho para comer. Vi também nos seus olhos a falta de oportunidades nas coisas mais simples. Uma roupa limpa, um par de chinelos, uma casa decente, um lar de verdade. Nascida em uma outra família seria com certeza uma princesinha num belo vestido novo, sapatinhos e cabelos bem tratados.
- Onde está o seu pai ?
- Não sei. Foi embora... só tenho a minha mãe que fica em casa cuidando do meu irmãozinho novo enquanto catamos lixo para vender.
Como seria o seu Natal ? E a sua vida no cotidiano ? Saber que aquelas crianças viviam as custas das sobras de comida da minha casa e do meu lixo, enquanto eu tinha o luxo e a fartura, elas não tinham nem o necessário para viver com dignidade. A injustiça social choca muito principalmente numa cidade como Fortaleza. Uma metrópole turística e bela por seus prédios elegantes e por outro lado, rodeada por favelas por todos os lados.
Daquele dia em diante passei a ter novas companheiras que tocam a campainha com fequencia e eu sempre guardo um pouco de comida para elas. Criei uma amizade com as meninas da carroça que passaram a levar as podas do jardim e as sobras de alimento ainda saudáveis. Sei que muitos acham que me exponho neste mundo perigoso, mas de vez em quando elas arrancam uns matinhos no jardim em troca de algumas moedas ou até um mergulho na piscina e um lanche decente. Um dia me pediram para eu deixar que vissem sala da casa e não me neguei a isso. As vejo crescerem e uma está ficando uma linda mocinha vulnerável a abusos por andar pelas ruas. Já estão na escola com a ajuda da bolsa do governo, mas se acostumaram com a reciclagem do lixo que vendem próximo dali.
Hoje, fazem parte da minha lista de presentes de Natal. Me acostumei com Clarice, Juliana e Fernanda.

Edilma Rocha

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