Farinhada
O dia tinha amanhecido muito claro e limpo... No riacho do baixio a água tinha baixado permitindo a passagem da gente e, mais adiante, sob o telhado da casa de farinha, já se podia ver uma montanha de mandioca sendo "raspada", para tirar a casca. Dessa vez, nada de junta de bois. Foram escolhidos alguns homens “fortes” para girar a roda da moenda munida de manivela e dessa forma acionar a bola revestida com lâminas afiadas destinadas a ralar a mandioca. Estava prevista a troca dessa engenhoca manual por um motor que teria a mesma função, mas que certamente agilizaria e facilitaria e execução dessa tarefa que era a mais árdua.
Nesse dia, sentei-me junto às mulheres e às crianças sobre uma lona recoberta com as raízes das mandiocas e me pus a trabalhar. Era um serviço interminável, mas aos poucos, os montes de raízes já raspadas e branquinhas afloravam e se transformavam em montanhas. Depois de raspadas as mandiocas, pouco a pouco, iam sendo carregadas e dizimadas pelo cevador - instalado e montado numa banqueta - que era chamado de “caititu”. Essa era a peça, que servia para ralar a mandioca, e que era movida por um veio (manivela) puxado a mão (como citei acima).
A casa de farinha era grande, coberta com telhas comuns. Em cada espaço, atividades diferentes iam completando, o ciclo da farinhada. Abaixo da banqueta do cevador, montes de raspas de mandioca iam sendo coletadas e depois carregadas para a prensa onde a massa era enxugada deixando, assim, escorrer o amido ainda líquido. A seguir, esse líquido grosso e esbranquiçado era levado para recipientes próprios e dava-se início a um novo processo que era a extração da goma (amido). Essa tarefa cabia às mulheres. O cuidado era grande, pois a massa era preparada e tratada para haver a sedimentação do amido e, consequentemente, a retirada da manipueira que, segundo consta, é uma substância tóxica (um veneno) que não deve ser ingerida.
Um dia “Redondo” que era um dos torradores de farinha caiu teso no pé do forno. Foi um corre-corre danado. Naninha sua mãe começou a chorar.
- Ai, meu “fii” deu uma agonia. Foi bem tu, Cãida, que num tirou o diacho da manipueira direito. Ai meu “padim Ciço” acudis meu “fii “. Valei-me meu Coração de Maria.
O desmaiado começou a tossir com um bafo de cachaça que espantou a freguesia. E a mãe aliviada agradeceu a Padim Ciço e voltou ao trabalho.
Em outro espaço, a parte da massa composta de raspas de mandioca prensada e enxugada era levada a um forno enorme aquecido por lenha em brasa, onde os forneiros especialistas (dentre eles, Redondo)torravam esse produto espalhando-o com uma espécie de rodo de madeira até chegarem ao ponto certo de torrefação.
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Também no forno eram feitos os deliciosos beijus muitas vezes complementados pela adição de coco ralado ou amendoim moído. Mãe “Cãida” e Naninha eram as responsáveis pelo preparo dessas delícias enquanto a moenda girava e a mandioca se transformava em farinha.
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Pois é, assim decorria o dia e chegava a noite. Na última noite da farinhada a "coisa" era outra. Apareciam os sanfoneiros, os violeiros, os dançadores de cocos, de baião, os tocadores de “pife” e seu Antõi Coelho dançando “a dança das facas”...
Aí começava a festa. De quando em quando, um golinho de cachaça, um café com beiju e, assim, a noite passava.
Claude Bloc
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