Wednesday, February 22, 2012

Minha rua era um rio - Claude Bloc


NE - Crônicas eminentemente Cratenses

E lá volto eu ao tema da minha rua. A rua Irineu Pinheiro onde morei, onde muitos moraram...

Lida a história assim de fora, talvez nem desperte a saudade de quem morou no Pimenta, em meio àquele mundo de crianças que se juntavam em suas brincadeiras, mas espero que compreendam que escrever sobre isto não é pieguice, mas prazer que a minha rua me dá compelindo-me falar dela.

A Irineu Pinheiro corre do poente para o nascente (e vice-versa). Nesta semana, um fim-de-semana prolongado, lembrei-me mais uma vez dela e da vida que hoje corre por ela alterando-lhe o aspecto, o movimento, a vivência.

Ontem era uma rua quase silenciosa, mas cheia de vida. Cheia de trinados de aves e gatos ronronando nos muros dos quintais, pontilhada, de onde em onde, por casas (remanescentes do meu tempo de criança), dialogando entre si.

Ontem também a via toda bordejada, nas margens, por carros adormecidos. Por entre as calçadas, quando chovia, corria um “rio” que descia lá do Sossego e desassossegava a vida da gente... Lá também passava nossa vidinha do dia-a-dia, nossas estripulias infantis.

Estranhamente, o silêncio da tarde tecido rua abaixo, descia pela minha alma tão aconchegante que nem as brincadeiras abandonadas pelas calçadas conseguiam romper a magia. Havia momentos para se estar só, para se adivinhar o que havia de ser amanhã: missa, cinema, passeio pelo Granjeiro, matinal no Tênis Clube...

Certos dias, depois da chuva, o Crato se iluminava. No ar eu sempre percebia o sussurro da luz e de bandos de pequenos, quase invisíveis, insetos flutuando nos raios de sol. Todos em suspensão, em estranhas danças... Tudo na minha rua tinha um ar de encantamento. Sentia-se a magia do tempo. Sentia-se os laços de amizade apertando-se. Sentia-se a vida deslizando plácida pela nossa janela.

Deslocava-me continuamente, por umas horas, a percorrê-la de forma total, pra lá e pra cá, em qualquer das suas margens. Sim, nas margens, pois é disso que se trata: a minha rua era um rio de sol, de luz que ainda se estende, desliza e corre, por onde se pode navegar como quem desliza num sonho dourado pela saudade.

Desse rio, sou apenas afluente, assim como todos que ali moraram nesses tempos idos. (Re)nasço no poente de minha vida e vago pelos pontos cardeais que só eu vejo. Insisto no verbo amar, onde tudo começou. Passo hoje pela Irineu Pinheiro e me revigoro. Semeio o dia.

Claude Bloc

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