Saturday, February 25, 2012

BOM DOMINGO - Histórias e Estórias do Crato de Antigamente - Ivens Mourão*


ÁGUA BANANAL

“Seu” Teófilo foi um farmacêutico que ficou famoso na cidade. Era um homem alto, conversador, espirituoso. Como farmacêutico sempre combateu o tracoma, uma conjuntivite grave que ataca a mucosa ocular, problema quase endêmico na região, principalmente naqueles brejos. Sua incidência era tão intensa que chamavam os que nasciam no Crato de cratenses dos olhos roídos. Teve a lucidez de alertar ao Bispo sobre o reservatório de água benta, das igrejas, que era um ponto de contágio de tracoma. A farmácia dele era sempre um local de reunião, onde muitas estórias se passaram.

Próxima da sua farmácia tinha também uma outra, a Central, do José de Figueiredo (Sr. Zuza). Além de farmacêutico também era escritor e pai do que viria a ser o escritor famoso da terra o J. Figueiredo Filho. Em um dia de feira, o Sr. Zuza observou um grande movimento de pessoas na farmácia do Sr. Teófilo, que saíam com um litro de um produto. Era um remédio para o tracoma. Segundo as prescrições, deveria ser usado para lavar bem os olhos, voltando na semana seguinte para comprar um outro litro. O Sr. Zuza, curioso, perguntou para um vendedor do concorrente que fórmula era aquela, recebendo a resposta:


J. Figueiredo Filho, grande escritor cratense.

- “Água bananal”
- “Água bananal?!?!

Como o vendedor não esclarecesse, o Sr. Zuza resolveu dar uma espiada para dentro da farmácia, onde eram aviados os remédios. Flagrou o Sr. Teófilo “preparando” um novo litro prodigioso. Após encher o litro com água da torneira, fazia aquele gesto característico de quem dá uma banana: apoiar a mão direita sobre a esquerda e deslizá-la até o pulso do braço direito encostar na palma da mão esquerda. A cada gesto desses dizia:
- “Toma filho de uma égua”.

Estava entendido o porque da água bananal...

A FORÇA DA PALAVRA

O Cel. Nelson da Franca Alencar marcou a vida do Lameiro. Um é sinônimo do outro. Dono de engenho, figura tradicional do Crato, não admitia que uma ordem sua fosse contestada. Aliás, moramos numa rua cujo nome era em sua homenagem, e a casa, número 94, era de propriedade do seu filho, Sr. Aderson da Franca Alencar.
Quando o Cel Nelson já estava idoso, a administração dos negócios passou para o filho, mas o velho ainda tinha condições de mandar. Um dia chegou um morador e pediu-lhe para recolher as mangas que estavam debaixo das mangueiras, com a finalidade de ir à cidade vender em proveito próprio. O velho tinha um bom coração e o autorizou a colher também aquelas mangas maduras que ainda estivessem no pé.. Em seguida, um outro morador chegou para o Cel. Nelson e pediu emprestado um animal para levar uma carga ao mercado. E o velho:
- “Pois não, pode pegar um animal lá no curral”.
O morador voltou ao Cel. Nelson e disse:
- “Coronel eu esqueci de pedir a cangalha. O senhor poderia me dar uma cangalha”.
- “Pois não, pode pegar uma, lá no estábulo”.


Cel. Nelson Alencar, homem de palavra e opinião.


Quando o morador voltou, foi agradecer ao Cel. Nelson e devolver o animal e a cangalha, que ele emprestara. O Cel Nelson disse:

- “O animal você pode colocar lá no curral. A cangalha você pode levar, ela é sua. Você não pediu emprestado. Você me pediu uma cangalha e eu lhe dei.”


CORREIO ESTRANHO

O Coronel Nelson da Franca Alencar era muito amigo do Padre Cícero. No Lameiro, quem mandava era ele. Quando os jagunços do Padre Cícero invadiram o Crato, tinham uma determinação de não chegar nem perto do Lameiro. Tanto que o padre mandou um aviso para o povo do Crato. Fugissem pelo Lameiro, pois se fossem por outras saídas seriam atacados pelos jagunços. Essa amizade era alimentada com a troca de bilhetes, sempre tratando de política. O portador era um empregado do Cel. Nelson, o Sr. Vicente. O Luís o conheceu já com idade avançada, mas pelo seu porte e o tamanho dos braços, demonstrava ter sido um homem de força descomunal. O Coronel Nelson, para testar a lealdade do Sr. Vicente, quando mandava os bilhetes para o Padre Cícero exigia que ele fosse sem camisa e segurando um gato no ombro. E dizia mais:

- “Não vá bater no gato”.

No bilhete de volta, o Padre dizia: “Compadre, o homem chegou aqui todo unhado”.


Padre Cícero Romão Batista


“SEU” ADERSON

Aderson da Franca Alencar, o filho do velho Nelson, foi um dono de engenho dos mais tradicionais do Crato. Extremamente metódico, cumpridor rigoroso de horário. A palavra dele valia mais do que o papel assinado. O seu engenho era de uma limpeza escrupulosa. Não se via uma palha de cana no chão. Tinha um Ford ‘de bigode’, que raramente saia da garagem. Meu pai gostava muito de conversar com ele, na calçada de seu casarão (ainda existe), no Lameiro.

- “Mas Sr. Nelson, por que o senhor não vai de carro para o Engenho?

- “Mourãozinho os meus empregados vão para o engenho a pé. Eu vou também, para dar o exemplo”

Era padrinho de batismo do meu irmão Marcelo. Tinha uma lagartixa que vinha comer na sua mão. E o Marcelo duvidou que fosse verdade. E ele comentou com o meu pai:

- “Mourãozinho este menino está duvidando de mim?”


Estalou os dedos e a lagartixa, saindo não sei de onde, veio comer na sua mão.


Sr. Aderson com a esposa, Dona Zulmira, o filho Nelson e os netos Frederico, Aderson e Gustavo. Sempre achei o Sr. Aderson parecido com o “Magro”, da dupla “O Gordo e o Magro”


A HONESTIDADE

O Sr Aderson da Franca Alencar tinha, como único responsável por todos os seus negócios, o seu primo o Sr. José Horácio Pequeno. Os imóveis, as transações comerciais, as contas bancárias, os pagamentos, tudo era de responsabilidade do Sr. Horácio. O Sr. Aderson, dentro da sua maneira metódica de ser, não admitia que houvesse inflação. Costumava beber uma cerveja, sempre quente. E pagou, durante toda a sua vida, sempre o mesmo preço. Os comerciantes já sabiam e aceitavam aquele pagamento, pois o Sr. Horácio depois sempre pagava o complemento. A administração do Sr. Horácio foi tão eficiente e escrupulosa que aumentou, em muito, o patrimônio do Sr. Aderson. Quando o Sr. Horácio resolveu devolver a responsabilidade da administração para o Sr. Aderson, este exclamou:

- “Mas Horácio, eu não sabia que era tão rico!!!”

O CURTO-CIRCUITO

Em 1975, o depósito vizinho ao Bar do Tinga foi vítima de um sinistro, em uma das noites do mês de junho: um INCÊNDIO. Foi na madrugada. O Marcelo conta que tinha se submetido a uma pequena cirurgia e estava convalescendo, num dos apartamentos da Casa de Saúde, quando foi acordado com uns estouros muito fortes. Foi para a janela do apartamento e viu, na direção do Bar do Tinga, uma grande labareda, subindo acima do teto dos demais prédios da rua.
Onde será o incêndio? – pensou.

Imaginou que pudesse ser no Bar do Tinga ou na Funerária do Caixão. Enfim, não lembrou do depósito da loja de eletrodomésticos. No outro dia ficou sabendo que tinha sido o depósito que pegara fogo, repleto de mercadorias. Prejuízo enorme, se não estivesse coberta por seguro. As conversas dos dias seguintes, quando o Bar do Tinga foi liberado para a freqüência, foi exatamente esta: “Teria seguro? O que queimou? E... qual foi a causa?”As respostas foram logo aparecendo. O comerciante, alguns meses antes, tinha feito um bom seguro de tudo! Sorte dele.
Sorte?! Indagavam, maliciosamente, alguns. E a causa do Incêndio? Logo veio a explicação oficial dos proprietários: “Foi causado por um curto-circuito”.

Comentou o Zé Aragão, dias depois:

- “Curto-circuito, nada de mais... Isso já aconteceu em outros lugares. É muito comum... Mas com a energia do prédio cortada??!!.... Só no Crato...” Tinham esquecido de mandar ligar a energia...

A MERCADORIA

Por conta do incêndio acima descrito, na hora em que tudo pegava fogo, Caixão foi avisado do sinistro Tratou de esvaziar sua “loja”, depositando toda a sua “mercadoria” na calçada do outro lado da rua. Lá permaneceu até o fim do outro dia, sendo objeto de outro comentário do Zé Aragão, de dentro do Bar do Tinga:

- “Olha ali, olha só, mercadoria que ninguém quer, nem ladrão!”.

IMPORTADO

Próximo ao Cine Moderno existia um concorrente do Caixão. Sua propaganda era, no mínimo, insólita. Descabida mesmo. Era a seguinte: "URNAS DE PRIMEIRA, IMPORTADAS DO SUL DO PAÍS!"

O CABELO

O Dr. Raimundo Bezerra, quando criança, presenciou muitas vezes a mãe dele, Dona Zezinha, tendo o cuidado de reservar para o médico da família a bacia, a toalha limpa e o sabonete novo. Anos depois, médico, foi atender um paciente em casa. Quando voltou, falou para o meu irmão Marcelo:

- “Baixinho, médico hoje em dia está desprestigiado demais! O sabonete que me deram tinha até pentelho...”

Por: Ivens Mourão - Todos os Direitos Reservados

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