Juazeiro do Norte. O estudo das africanidades locais como elemento norteador do trabalho pedagógico na escola. Esse é o principal foco do estudo desenvolvido pela pesquisadora, mestre e doutora em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC) Cícera Nunes, que acaba de lançar, no Cariri e em Fortaleza, o livro "Reisado Cearense - Uma Proposta para o Ensino das Africanidades".
Segundo a pesquisadora, está sendo trabalhada a possibilidade de que a educação com esse viés seja levada ao cotidiano das escolas e proporcione o aprendizado da cultura, a partir dos elementos que são próprios do dia a dia do aluno. No Ceará, está sendo focado o reisado por meio do seu trabalho, já que há uma manifestação muito ampla de que a formação desses grupos seja de origem europeia.
A partir do momento em que Cícera foi estudar essa forma de manifestação da cultura, percebeu uma identificação estreita entre os rituais de coroação dos reis negros, que deu origem ao reisado atual. O ritual de coroação era uma prática comum no continente africano, tendo início na África Central, principalmente na Angola, Congo e Moçambique. Com o tráfico negreiro, a prática foi trazida para o Brasil, ressignificada e passou por um processo de reelaboração.
Irmandades e cultos
A partir desses elementos, o reisado do Cariri passa a ter origem nesses rituais de coroação dos reis negros, vivenciados dentro do contexto das irmandades negras, instituições religiosas fortemente presentes em todo o Brasil. Exemplos dessas irmandades são os cultos a vários santos como São Benedito, Nossa Senhora do Rosário, Santa Efigênia, dentre outros. No Ceará, a mais presente foi a irmandade de Nossa Senhora do Rosário, de Norte a Sul do Estado.
A pesquisa de Cícera Nunes aponta que esse ritual de coroação dos reis negros influenciou diretamente o contexto das irmandades que existiram no Cariri. Esse ritual entra no reisado, também como uma manifestação da religiosidade. Segundo Cícera, como, no Cariri, a instituição religiosa foi muito presente. Isto pode justificar, em parte, a presença forte da manifestação dos reisados no sul cearense. Entretanto, é uma área de confluência entre outros Estados do Brasil, com uma ligação maior com Alagoas e Pernambuco.
Tanto que há muitos mestres da cultura alagoanos mais antigos, que vieram para a região por conta das romarias ou simplesmente para morar em Juazeiro. "Há uma relação muito estreita entre o reisado cearense e o alagoano", pontua.
A pesquisadora destaca a presença da matriz africana em sua origem, apesar da influência europeia. Isso não quer dizer, afirma, que seja uma manifestação afro, mas que preserva a essência de base africana. "Esse elemento passou por um longo processo de reelaboração, para que existam essas características de hoje, dialogando com outras etnias", explica.
A influência forte do catolicismo no reisado é um exemplo desse diálogo, com manifestações que acontecem principalmente no ciclo natalino, no Dia de Reis, e também nas louvações aos santos católicos. O processo de expansão do catolicismo no continente africano aconteceu a partir da influência da Europa e, ao chegar ao Brasil, os africanos trouxeram esses elementos.
Elizângela Santos
Repórter do jornal Diário do Nordeste
Colaboradora do Blog do Crato e Chapada do Araripe OnLine
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