O Supremo Tribunal Federal [STF] reforçou, na última quarta-feira [23], a legalidade dos eventos chamados “marcha da maconha”, que reúnem manifestantes favoráveis à descriminalização da droga.
Por unanimidade, os ministros decidiram que esse tipo de manifestação não pode ser considerado crime previsto no artigo 33, parágrafo 2º, da Lei de Tóxicos [Lei nº 11.343/2006], o que configuraria afronta aos direitos de reunião e de livre expressão do pensamento, previstos na Constituição Federal.
O Plenário seguiu o voto do ministro Ayres Britto, relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade [ADI] 4274, proposta pela Procuradoria-Geral da República [PGR], determinando que o dispositivo da Lei de Tóxicos – que classifica como crime o ato de induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga – seja interpretado em conformidade com a Constituição Federal.
Dessa forma, exclui-se da interpretação da norma “qualquer significado que enseje a proibição de manifestação e debates públicos acerca da descriminalização ou legalização de drogas ou de qualquer substância que leve ao entorpecimento episódico ou viciado das faculdades psicofísicas”, conforme destacou o relator em seu voto.
MINISTROS - Segundo o ministro Ayres Britto, o direito de reunião, assim como os direitos à informação e à liberdade de expressão, “fazem parte do rol de direitos individuais de matriz constitucional, tidos como direta emanação do princípio da dignidade da pessoa humana e da cidadania”. “Vivemos hoje em uma sociedade de informação e de comunicação, em que o ser humano primeiro se informa para melhor se comunicar com seus semelhantes, e o direito de reunião pode ser visto como especial veículo dessa busca de informação para uma consciente tomada de posição comunicacional”, salientou.
De acordo com o relator, existe na Constituição apenas uma única vedação ao direito de reunião, referente àquelas cuja inspiração ou o propósito da convocação ensejem a prática violência física armada ou beligerante. “Quem quer que seja pode se reunir para o que quer que seja, no plano dos direitos fundamentais, desde que o faça de forma pacífica”, concluiu o ministro Ayres Britto, acrescentando que não se pode confundir a criminalização da conduta [o uso de drogas], com o debate sobre a referida criminalização, que é o propósito da “marcha da maconha”.
Com a decisão desta quarta-feira [23], o STF reforçou o posicionamento firmado em junho deste ano, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental [ADPF] 187, de relatoria do ministro Celso de Mello. Na ocasião, a Suprema Corte liberou a realização da “marcha da maconha”, por entender que o artigo 287 do Código Penal deve ser interpretado conforme a Constituição, de forma a não impedir manifestações públicas em defesa da legalização de drogas.
Para o decano da Suprema Corte, a mera expressão de pensamento não pode ser objeto de restrição, “sob pena de se estabelecer um domínio institucional sobre o pensamento crítico”. “A defesa, em espaços públicos, da legalização das drogas, longe de significar um ilícito penal, quer sob a égide do Código Penal, quer sob o disposto na Lei de Tóxicos – supostamente caracterizador de apologia ou instigação ao uso de drogas ilícitas –, representa, na verdade, a prática legítima do direito à livre manifestação do pensamento, propiciada pelo direito de exercício de reunião”, sustentou.
Também seguindo o voto do relator da ADI, o ministro Luiz Fux reforçou que o entendimento do STF em relação à matéria é o de afastar a incidência da criminalização sobre tipo de evento público, desde que ele seja realizado de forma pacífica, sem armas, nem incitação à violência, e que não haja na sua realização incentivo, estímulo ou consumo de entorpecentes. Ele lembrou ainda que para realizar manifestações coletivas dessa natureza é necessário informar previamente às autoridades públicas competentes, a data, o horário e o local em que será realizado o evento.
Ao votar, o ministro Gilmar Mendes salientou a importância de esclarecer para a sociedade os limites da decisão do STF, que se refere à legalidade de eventos públicos favoráveis à descriminalização da droga. O ministro alertou que a decisão da Suprema Corte não pode ser entendida de maneira generalizada, aplicável a toda espécie de reunião que discuta temas diversos do tratado na referida ação. “É preciso ter cuidado e deixar claro, para que não se extraia da decisão a possibilidade de direito de característica ilimitada”, afirmou ao alertar para o risco da aplicação do preceito a reuniões favoráveis à descriminalização de outros atos, como racismo ou aborto, por exemplo.
Conforme salientou o presidente do STF, ministro Cezar Peluso, não é possível traçar todos os limites de forma abstrata, sendo necessário que a Corte analise caso por caso, quando assim for necessário. “Devemos examinar se a questão discutida em cada caso não vai resultar em uma outorga de legitimidade a certos atos que repugnariam à consciência democrática, coletiva e ao próprio sistema jurídico constitucional de um país civilizado”, afirmou.
Fonte: STF
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